Trajes

A variedade dos trajes tradicionais em Portugal

Os trajes tradicionais em Portugal

O estudo iconográfico do nosso Povo tem particular interesse pela riqueza e variedade dos trajos, designadamente nas zonas mais afastadas dos grandes centros urbanos, onde o vendaval do transformismo não alcançou ainda profaná-los, aristocratizando-os.

Os hábitos de vestir das populações aldeãs subordinam-se, dum modo mais ou menos acentuado, ao carácter dos naturais, sua vida social, seus processos de trabalho e ainda à situação topográfica e feições geológicas, orográficas e climáticas da região.

A indumentária caracteriza, até certo ponto, as províncias.

Nas sadias e verdejantes veigas minhotas, os vestidos das camponesas são deslumbradores, garridos de cores.

Nas lombas hirsutas das serranias, as mulheres quási se amortalham em anáguas de tomentos e sombrias capuchas de burel.

Ainda nas regiões nortenhas – onde o sol nos espreita de soslaio, numa blandícia clara e os arraiais se repetem prazenteiros e rumorosos – os chapéus da mulher rústica são rudimentares, guarnecidos de adornos tafuis, tendo como motivos ornamentais… fitas, borlas, plumas tingidas de cores alacres, contas de vidro, espelhos e penachos de fio de seda.

Ao sul – onde o calor é esbraseante e a paisagem soalheira – os chapéus são mais despretensiosos e têm amplas abas, para ensombrarem a pele morena das aldeãs.

O espírito de originalidade, a necessidade dos camponeses se reconhecerem e diferençarem dos confinantes, de evidenciarem os méritos respetivos, seus arroubos de imaginação, explicam até certo ponto a origem desta fertilidade de criações suntuárias, chãs e singelas, e, por isso mesmo, nimbadas de saudável beleza. (…)

 

 

  Para ler: Traje feminino – Tricana de Coimbra

Traje à Vianesa – ex-libris de Portugal

Traje Popular nos arredores de Braga

 

A indumentária evolui…

Claramente que a indumentária evolui e não pode manter-se, primitiva e bárbara, fiel aos usos dos séculos transcorridos.

As estradas de rodagem, as linhas férreas e os veículos motorizados, aproximando as cidades das terreolas serranas e distantes, introduziram consequentemente inovações na maneira de vestir dos sertanejos.

Seria anacrónico, nesta época caracterizada pelo dinamismo, que os homens de baixa condição usassem ainda cabelo à pajem, bragas e saio com capelo, como no século XII, ou gibões de burel e borzeguins de peles grosseiras, como no século XV.

O pulsar da vida transmuda sem cessar os usos e os costumes.

Se ainda se ouve nos boqueirões de Alfama o pregão estridente e mal extinto dos broncos aguadeiros, nos seus sintetizados á… ú… ú… ú… devemos reconhecer que os cidadãos de Tui não se acham bem integrados na vida célere de hoje, apesar de não serem exaltados como «bravos heróis da bomba» nem usarem, como em 1840, chancas e «calções de abanante orelha».

 

  Para ler: Capucha e mantilha – peças de vestuário feminino

Trajos de homem e de mulher – Mirandela

Capa de Honras Mirandesa – Miranda do Douro

 

Evolução do trajo regional

Seria necessário uma opulenta biblioteca, constituída por centenas de volumes, para acompanhar cronologicamente a evolução do trajo regional e reconstituir sem omissões as fases primordiais da nossa suntuária.

Uma investigação dessa amplitude não se ajustaria aos nossos lazeres e muito menos seria empreendimento para nossas minguadas forças.

Acresce que alguns dos vestuários populares nacionais, anteriores ao quinhentismo, são ainda incógnitas obscuras, outros acham-se um tanto envoltos por nublados céus de mistério.

O que há de retrospetivo na indumentária, a partir do século XVI, foi criteriosamente arrancado ao pó dos arquivos, pelo artista Alberto de Sousa, a quem os estudiosos ficaram devendo o bem documentado álbum iconográfico O Trajo Popular em Portugal, que se folheia sem o menor enfado para o espírito.

Contribuíram igualmente para esses estudos, com devoção e cultura, Rocha Peixoto e Roque Gameiro e, mais recentemente, Matos Sequeira, Cláudio Basto, António Ferro, Francisco Lage, Álvaro de Lacerda e o coronel Henrique Ferreira Lima, reunindo este último numa valiosa coletânea bíblio-iconográfica, estampas de costumes portugueses de Murphy, Machphail, Manuel de Macedo, Joubert e Kinsey.

 

  Para ler: Trajo de Apanhadores de Chá (par) – Açores

Trajes tradicionais de Santana – Madeira

Características gerais do Trajo Popular Português

 

O vestuário popular português

O vestuário popular português, ingénuo e bizarro, excitou sempre a admiração e o entusiasmo do viandante culto, amador do pitoresco e foi sempre motivo de desvanecimento espiritual para o lusíada curioso, que não seja de mentalidade obtusa.

Infelizmente, a desnacionalização de costumes alastra avassaladoramente, corrompendo e abastardando tudo o que tinha uma feição original, um cunho próprio e um clássico sabor português.

Modificam-se dia a dia os trajos canhestros das populações rurais, para ceder o lugar a enfatuadas e aberrantes inovações, sem cor local e cheias de exotismo, com que a gente dos campos e da beira-mar pretende imitar o trajar dos peralvilhos das cidades mundanas, onde a vida se encara apenas pelo lado material e transitório.

 

  Para ler: Trajo de Trabalho do Sargaceiro | Trajes Tradicionais

Os trajes dos saloios (séc. XIX e 1ª metade do séc. XX

Trajo de Romaria da Póvoa de Varzim | Trajes tradicionais

 

As Tradições e o Progresso”

Dutra Faria

, num bem redigido artigo sobre As Tradições e o Progresso, lança este avisado conselho:

«Os trajos populares, tão diversos de província para província, por vezes até de aldeia para aldeia, e tão ricos de graça, cor, de pitoresco, vão desaparecendo – e não tardará muito o dia, se depressa não se acode ao mal, em que todos os nossos campónios vistam como o «farmer» da Califórnia ou da Irlanda, em que todas as raparigas e todas as mulheres dos nossos montes e das nossas terras usem os mesmos chales, os mesmos lenços e as mesmas blusas de chita que usam as camponesas da Dinamarca, da Bélgica ou da modernizada Turquia.»

 

  Para ler: A Mulher Estremenha | Trajes regionais de Portugal

Trajes de mulher do norte de Portugal (séc. XIX)

Trajos de Grândola e Trajos de Arronches | Trajos do Alentejo

 

Trajo Regional”

E Celestino David, numa análise ao Trajo Regional, foca igualmente esse tema, que alvoroça o nosso brio nacionalista:

«A beleza de certos exemplares do nosso trajo popular, do Norte ao Sul do país, da campina rasteira à montanha arrogante, trajo de maiorais e pastores, lavradeiras e campaniças, abastarda-se dia-a-dia, cai no esquecimento e tem-se a impressão bem penosa de que a próxima geração, porventura, a não encontra para a bendizer e admirar.

O que fazia o encanto da minhota em dia de festa – o seu garrido trajo à vianesa – o que era a graça da tricana coimbrã – o pôr do lenço e o traçar do chale – assim como o que dá um certo ar ao nosso lavrador ou à nossa managuia – calça esticada e jaleca de alamares, saia de estamenha ou lenço de rebuço – não deve ser, em breve, assim pensam alguns, mais do que peças de museu, se houver quem as aprecie em termos de as guardar e não esquecer.»

 

  Para ler: A «Coca» ou «Mantilha» de Portalegre – Alentejo

Trajo do Monte Real – Leiria | Estremadura

Trajes do Algarve – Trajo de mulher e de homem

 

Pelos Trajos Regionais”

E, por último, Raúl do Rego, numa local epigrafada Pelos Trajos Regionais, advoga apaixonadamente a tradição do nosso vestuário popular:

«… a conservação dos trajos regionais em toda a sua pureza, em que muita gente se empenha, não é uma mania de reagir contra inovações, nem tão pouco se inspira num exclusivismo estreito e míope. Não é a adoração do trambolho do passado, tão querida e cultivada por aqueles que se sentem incapazes de construir um presente. O desejo de restaurar o trajo regionalista é somente o culto da harmonia; harmonia entre o clima, a paisagem, o carácter dos habitantes e a sua maneira de vestir

 

  Para ler: Trajo regional de Portalegre | Trajos do Alentejo  

Traje de mulher da ilha do Faial – Açores | Trajes regionais

Os Trajos – Notas e registos de etnografia alcobacense

 

Trajos encantadores e peculiares

É de saudável e puro regionalismo tentar revivescer tudo o que é curioso e típico na indumentária popular, não só como valor tradicional e iconográfico, como também pela fisionomia e carácter que ela imprime a uma aldeia, ou, com mais latitude corográfica, a uma província.

Esse estímulo necessita porém ser persuasivo e audaz, evitando-se a deletéria invasão do «folclore acatitado», traduzido em festarolas com carácter regional, onde por vezes se exibem ranchos com trajos, músicas e bailados incaracterísticos, que afrontam as tradições populares.

O Conselho Nacional de Turismo e a Junta de Província (…) são os organismos a quem está confiada, e muito bem, a ressurreição do folclore, na sua maior pureza, isto é, liberto de sugestões estrangeiras.

Encontram-se felizmente vigilantes nessa missão depuradora e disciplinadora, velando pelo culto da beleza, ou seja procurando evitar torpes profanações nos nossos hábitos e costumes.

É indiscutivelmente a gente simples, com seus trajos encantadores e peculiares, com sua personificação rude e com seus hábitos característicos que dá ao nosso País uma expressiva feição original, fazendo a tradição, a pureza clássica e o encanto artístico e etnológico deste rincão de maravilha.

Guilherme Felgueiras” da Associação dos Arqueólogos Portugueses

In “Boletim da Junta de Província da Estremadura” – 1939