A «Coca» ou «Mantilha» de Portalegre – Alentejo
A «Coca» ou «Mantilha»
“Nessa manhã chuvosa de Outubro, antes do despontar do dia, rezava-se a primeira missa na igreja de S. Lourenço, em Portalegre.
Poucas pessoas assistiam ao ato religioso, que, àquela hora, lembrava o ofício divino da noite do Natal.
Só algumas senhoras se ajoelhavam em volta do altar lateral onde se estava dizendo a missa, trajando rigorosamente de negro.
Vi-as, depois, sair.
Usavam uns biocos, pegados a uma espécie de capa curta e que eram cobertos, no alto, por uma renda larga, que caía pelas costas.
Na frente, o bioco era armado em papelão, ou tarlatana, para se manter aberto.
Nalguns, a renda era colocada, como já disse, caindo do alto da cabeça sobre as costas; noutros, porém, era posta em sentido contrário, isto é, caindo um pouco sobre a cara.
Completava o trajo uma saia de merino.
Este curiosíssimo costume, soube-o então, está agora mais em voga nas classes ricas, onde o usam as senhoras de todas as idades, especialmente para assistir a atos religiosos.
Há, também, quem o use sempre.
A este bioco, chamam, em Portalegre, «coca», ou «mantilha», e, à renda, «véu».
Cá fora, no adro, assisti à debandada desse grupo crente de embiocadas, cada uma acompanhada pela sua criada.
Amanhecera já e caía, como geada, uma chuva miudinha e regelante.
Um carvoeiro, vindo da serra, subia a rua, falando ao burro que lhe transportava a enorme carga – vinte ou trinta sacos esguios e compridos, a estoirar de cheios, com o carvão a espreitar das bocas.
Fez-me lembrar uma cena do século XVIII.”
D. Sebastião Pessanha
(Croquis de A.Sousa)
Fonte “Terra Portuguesa – Revista Ilustrada de Arqueologia Artística e Etnografia” – Números 17 a 20 – Junho a Setembro de 1917 (texto editado)