A importância do Folclore na preservação da identidade cultural
O folclore é um dos pilares fundamentais da identidade cultural de um povo. Representa o conjunto de tradições, lendas, músicas, danças, costumes e crenças transmitidas de geração em geração.
Em Portugal, o folclore assume um papel essencial na manutenção do património imaterial do país, garantindo que as tradições ancestrais não se percam no tempo.
Como refere Michel Giacometti, um dos maiores etnógrafos a estudar o folclore português, “a tradição oral e as manifestações populares são a alma viva de um povo, espelhando a sua essência e o seu modo de viver“.
Neste artigo, vamos explorar a importância do folclore na sociedade contemporânea, os desafios da sua preservação e o impacto que tem na identidade cultural e no sentimento de pertença das comunidades.
O que é o Folclore?
O termo “folclore” deriva das palavras inglesas folk (povo) e lore (sabedoria), significando, assim, “sabedoria do povo“. Foi utilizado pela primeira vez pelo arqueólogo britânico William John Thoms, em 1846, para descrever os costumes e tradições transmitidos oralmente. No entanto, o conceito de folclore é muito mais antigo e existe em todas as culturas do mundo.
O folclore português divide-se em várias manifestações, como os contos e lendas populares, as danças e músicas tradicionais, as festividades e as superstições.
Cada região do país possui características próprias, refletindo as influências históricas e culturais que moldaram o território.
Segundo Fernando Lopes-Graça, “o folclore musical português é um espelho da vida rural, das suas alegrias e tristezas, da dureza do trabalho e da fé nas tradições“.
A importância do Folclore na identidade cultural
O folclore é essencial para a construção da identidade cultural, pois reforça a ligação entre as pessoas e o seu passado.
Quando as tradições são transmitidas, os valores e as crenças de uma comunidade permanecem vivos, ajudando a definir quem somos. Como salienta o antropólogo Paulo Lima, “sem folclore, um povo perde-se nas brumas da globalização, tornando-se anónimo e sem raízes“.
Em Portugal, esta identidade manifesta-se de várias formas:
- Música e dança tradicional: Os ranchos folclóricos desempenham um papel fundamental na preservação das danças e cantares típicos de cada região. O vira, o corridinho ou a chula são alguns exemplos de estilos que variam consoante a geografia.
- Lendas e mitos: Muitas localidades têm as suas próprias histórias, como a lenda “O calhau do encanto“, que enriquecem a cultura popular e alimentam o imaginário coletivo.
- Festividades e rituais: As festas populares, como os santos populares, as romarias e as feiras medievais, recriam práticas ancestrais e fortalecem os laços comunitários.
Folclore como meio de transmissão de conhecimento
O folclore não é apenas um conjunto de histórias ou danças, mas também um meio de transmissão de conhecimento. Muitas tradições contêm ensinamentos sobre a vida rural, a natureza e a moralidade.
Os provérbios populares, por exemplo, refletem a sabedoria acumulada ao longo dos séculos: “Em Abril, águas mil” ou “Quem semeia ventos, colhe tempestades“.
Além disso, as cantigas de trabalho, entoadas durante a ceifa, a apanha da azeitona ou a faina do mar, são um testemunho da dureza do labor e da união entre os trabalhadores.
Giacometti, que recolheu centenas dessas canções, considerava que “as vozes do povo são a verdadeira expressão de uma cultura viva e autêntica“.
O Folclore e a globalização
Num mundo cada vez mais globalizado, o folclore enfrenta desafios significativos. A homogeneização cultural e a influência dos meios de comunicação modernos levam ao esquecimento de muitas tradições. A juventude, muitas vezes, vê o folclore como algo ultrapassado ou sem interesse, preferindo consumir produtos culturais internacionais.
No entanto, há um movimento crescente para revitalizar as tradições folclóricas, que pretende promover a dança e a música tradicional junto das novas gerações. O etnógrafo José Alberto Sardinha alerta para a necessidade de preservar estas tradições, afirmando que “o folclore não é uma peça de museu, mas sim uma expressão viva que deve ser praticada e renovada“.
A tecnologia também pode ser uma aliada na divulgação do folclore. Redes sociais, documentários e plataformas de streaming permitem que a cultura popular chegue a um público mais vasto.
Projetos como o “A Música Portuguesa a Gostar Dela Própria” têm desempenhado um papel crucial na documentação e promoção da música tradicional portuguesa.
O papel das instituições na preservação do folclore
O papel das instituições culturais e educativas é fundamental na preservação do folclore. Em Portugal, várias entidades dedicam-se à investigação e conservação das tradições populares, como o Museu Nacional de Etnologia e o Instituto de Estudos de Literatura e Tradição.
Nas escolas, o ensino do folclore pode ser integrado nas disciplinas de História, Música e Expressão Dramática, permitindo que os alunos conheçam e valorizem o património cultural.
Como destaca a investigadora Maria Helena Mendes, “a educação é a chave para que o folclore continue a ser uma fonte de identidade e orgulho para as futuras gerações“.
Algumas afirmações
, compositor e musicólogo, afirmou:
“(…) o folclore que sai do seu âmbito próprio, que são os campos e as aldeias, e exorbita das suas funções próprias, que são as de exprimir a vida e os trabalhos do homem rústico, esse folclore assim posto em evidência e assim utilizado deixa precisamente de ser folclore para se transformar em divertimento banal ou servir de mero cartaz turístico.”
Jorge Dias, etnólogo português, alertou para a necessidade de preservar as tradições populares:
“(…) Nós, portugueses, estamos não nas vésperas, mas em plena fase de perdermos toda essa riqueza do passado. Se não corrermos rapidamente a salvar o que resta, seremos amargamente acusados pelos vindouros, pelo crime indesculpável de ter deixado perder o nosso património tradicional, dando mostras de absoluta incúria e ignorância. Se não o fizermos, daqui a duas gerações podemos ser um povo descaracterizado e profundamente pobre (…)”
José Leite de Vasconcelos, pioneiro da etnografia em Portugal, enfatizou a urgência da investigação das tradições populares:
“Acudamos a tudo, enquanto é tempo! De ano para ano extinguem-se ou transformam-se muitas cousas e surgem outras de novo em vez delas. (…) Empenhemo-nos por isso na investigação das tradições populares…”
Conclusão
O folclore é muito mais do que uma simples coleção de costumes antigos; é a essência da cultura de um povo, um testemunho das suas origens e um reflexo da sua identidade. A sua preservação é essencial para garantir que as gerações futuras continuem a conhecer e a valorizar as tradições que moldaram a sociedade portuguesa.
Num tempo de crescente globalização, é fundamental encontrar formas de manter vivas estas manifestações culturais, adaptando-as aos novos tempos sem perder a sua autenticidade. Como dizia Michel Giacometti, “um povo sem memória é um povo sem futuro“.
Promover o folclore é, portanto, uma responsabilidade de todos – investigadores, educadores, instituições e cidadãos – para que a riqueza cultural de Portugal continue a ser uma fonte de orgulho e identidade para as gerações vindouras.
Nota: Se considerar que alguma informação não está correta, agradecemos que nos contate.