Superstições e crendices

Superstições relacionadas com a água

Sobre superstições

Superstição (do latim superstitio, “profecia, medo excessivo dos deuses”) ou crendice é a crença em situações com relações de causalidade que não se podem mostrar de forma racional ou empírica. Ela geralmente está associada à suposição de que alguma força sobrenatural, que pode inclusive ser de origem religiosa, agiu para promover a suposta causalidade.

Superstições são, por definição, não fundamentadas em verificação de qualquer espécie. Elas podem estar baseadas em tradições populares, normalmente relacionadas com o pensamento mágico.

Por regra,  quem é supersticioso acredita que certas ações (voluntárias ou não) tais como rezas, curas, conjuros, feitiços, maldições ou outros rituais, podem influenciar de maneira transcendental a sua vida. (Fonte, texto adaptado)

A seguir, vamos transcrever algumas superstições e crendices relacionadas com a água, apresentadas pelo Dr. José Leite de Vasconcelos, na sua obra “Etnografia Portuguesa“, e que dizem respeito à água:

Superstições acerca da água

– A água benta tem grande virtude. Quando as mãos suam é bom mantê-las em água benta (Samodães).

– Dizem em Óbidos, Mangualde, Paços de Ferreira e Lisboa que, quando duas pessoas lavam as mãos juntas, em breve bulham. Nos Açores (S.Miguel), para evitar a briga, cospem na água.

– As águas de baptizar as crianças que não estejam baptizadas deitam-se em sítio onde não passe ninguém por cima e em que não dê o sol (Óbidos e Mangualde).

– Não é bom beber água de noite, porque ela está a dormir, e se não puder deixar de beber-se bata-se para a acordar e não fazer mal (Óbidos e Mangualde).

Também em Carviçais, Moncorvo, se diz que a água dorme de noite, e em Baião, quando alguém tem sede de noite e quer beber água, é necessário deitar uma pinga fora e diz-se: «Acorda, água, que eu também já acordei!» «Vamos pelo que diziam os antigos»! O mesmo se faz na Beira Baixa, como se vê um trecho de Nuno de Montemor:

«- Para se beber, é preciso acordá-la primeiro.

– E como se acorda?

O velho serrano aproximou-se da cantarinha batendo três vezes no cântaro com os dedos nodosos.

– É assim…- ensinou.

E sacudindo a água verteu-a no copo confiadamente.

– Agora pode bebê-la à vontade…»

– Em Óbidos (Peral) afirma-se que a água é corredia. Bebendo-a de bruços, à noite, a gente levanta-se com o Inimigo (Carviçais, Moncorvo).

– Bebe sangue quem num charco bebe por cima; se for por baixo, bebe matéria (Elvas; informação de António Tomás Pires).

– Não dão maleitas a quem bebe água por uma brecha (mina) nova de água (Cinfães).

– Quem urina num rego de água urina a fortuna.

– Se a água está fria quando se bebe, diz-se que não adivinha outra, i. é, não choverá (Elvas; informação de António Tomás Pires).

Epostracismo, leconomancia e hidromancia

Epostracismo: em Mangualde os rapazes costumam capar a água com pedras.

– Fecundidade

À porta de Dona Aldonça
Corre um cano de água clara,
A mulher que dela bebe
Logo se sente pejada…

Leconomancia e hidromancia: em Mangualde e Óbidos levam água às pessoas que se supõem mordidas por um cão ou qualquer animal raivoso, porque vêem na água o animal que mordeu.

– Em Guimarães, quando as mulheres que têm o diabo no corpo vão à mulher benta, a Braga, para lho expulsar, deitam sal no rio ao passarem por ele (ouvido em 1884).

– Em Óbidos, quando vão buscar água à fonte, costumam escorrer bem o cântaro antes de saírem, porque, se levam no fundo algum resto, a fonte seca.

Na Nazaré fazem o mesmo na fonte, para que a fonteira não venha a casar com um bêbedo. As raparigas de …, quando iam à Fonte Velha, costumavam deitar uma gota de água na cavidade de uma pedra que estava ali perto.

E no Alandroal, quando trazem o cântaro da fonte com água, atam-lhe uma junca ao gargalo para que a água se conserve fresca.

– Na Estremadura entornar água significa lágrimas, tristezas; por isso em Lisboa deitam-lhe vinho, porque entornar vinho é sinal de alegria.

Fonte: Etnografia Portuguesa – vol.VI, J. Leite de Vasconcelos