GastronomiaUsos, costumes e tradições

Breve história dos enchidos e fumeiro – o que importa saber

O termo enchidos, compreende uma categoria de alimentos que nascem com o encher das tripas de animais devidamente limpas ou sintéticas (principalmente no caso de versões vegetarianas) com diversos tipos de recheio.

O produto desta operação pode, opcionalmente, ser defumado antes de ser consumido. Muitos dos enchidos portugueses são confeccionados com carne, gordura, entranhas, condimentos e temperos.

Após uma lavagem cuidada, a parte inferior das tripas é atada, para que possam ser enchidas pela parte superior.

O tempero da carne é realizado no mesmo dia, para que se possam encher as tripas no dia seguinte ou ainda no próprio dia.

A salga e a defumação

A origem do fumeiro está localizada no tempo em que o homem sentiu necessidade de conservar a carne por longos períodos de tempo. Descobriu dessa forma dois métodos, a salga e a defumação.

Assim a salga era aplicada à carne de porco e à carne de vaca e a defumação aplicada à carne de porco e às aves.

Gregos e Romanos, depois de descobrirem a técnica de defumação passaram igualmente a fazê-lo mesmo depois de a salgarem.

Os aperfeiçoamentos desta técnica levaram inclusive a defumar os alimentos com diferentes tipos de lenha, pois descobriram que esta modificava o sabor dos alimentos tornando-os, em alguns casos, ainda mais saborosos.

Existem ainda registos que atribuem a origem dos enchidos e fumados ao período primitivo quando os intestinos dos animais eram enchidos com carne moída.

Pode igualmente encontrar-se ainda uma referência na Odisseia de Homero, em 99 a.C., a um enchido com sangue e gordura revestido de tripa de cabra.

Sobre o método da defumação

A defumação é um método de cozimento lento pela presença indireta de fogo. Pode ser feito utilizando um defumador, que é um aparelho especialmente desenhado para esta situação.

Uma churrasqueira com tampa também pode ser utilizada, colocando uma assadeira com água abaixo da carne posta na grelha.

O processo de defumação de alimentos pode ser feito a quente, para carnes como de suíno, de bovino, de peixe e de ave, com utilização de fogo e fumo. Pode-se, ainda, defumar queijos em processo a frio, apenas com a aplicação de fumo. Existem dois tipos de defumação: a quente (75º C) e a fria (30º a 50º C).

As peças devem ser penduradas no defumador, mantendo-se uma certa distância entre elas, bem como da parede, a fim de garantir a circulação da fumaça e do calor.

Utilização de madeiras

A produção de fumo é feita normalmente com serragem de eucalipto, que é um produto mais fácil de ser encontrado no mercado.

De modo geral, madeiras nobres como peroba, cedro e pau-marfim também podem ser utilizadas no processo de defumação.

A serragem de pinheiro não é indicada por causa da possibilidade de apresentar resina.

O fumo tem um efeito conservante que, associado ao calor, resulta na redução da unidade, essencial no controle do desenvolvimento de microrganismos. Muitos componentes do fumo têm efeito bactericida e desinfetante.

Ainda há no fumo o efeito dos fenóis que, por ser antioxidante, inibem a oxidação das gorduras e evitam o sabor de ranço.

A matéria-prima para fabricar enchidos defumados deve ser proveniente de animais saudáveis, descansados no pré-abate e abatido em local limpo e higiénico, ou seja, a peça para defumação deve ser adquirida em locais que vendam carne inspecionada e que esse produto seja manipulado de forma adequada.

Origem do fumeiro

Os enchidos e fumeiro têm uma longa história que remonta a tempos pré-históricos, quando o homem primitivo começou a procurar métodos eficazes para conservar a carne.

A técnica de defumar a carne e a criação de enchidos surgiram como respostas naturais à necessidade de prolongar a durabilidade dos alimentos, especialmente em períodos de escassez.

Origens antigas

As primeiras evidências de enchidos aparecem em textos antigos, como na “Odisseia” de Homero, onde já se mencionava a preparação de carne moída e temperada, embutida em tripas.

No Império Romano, os enchidos eram extremamente populares, com variedades como a “lucanica” a ganhar destaque. Os romanos também dominavam a técnica de fumagem, utilizando-a para conservar carne e peixe.

Idade Média e expansão na Europa

Durante a Idade Média, a produção de enchidos e fumeiro espalhou-se por toda a Europa.

Em Portugal, estes métodos ganharam particular relevância, especialmente nas zonas rurais. Cada comunidade desenvolveu as suas receitas e técnicas, utilizando ingredientes locais e adaptando as práticas às condições climáticas da região.

Os enchidos tornaram-se um elemento essencial da alimentação, especialmente em tempos de inverno, quando a disponibilidade de carne fresca era reduzida.

A fumagem, que inicialmente servia para proteger a carne dos insetos e da deterioração, tornou-se um método que também conferia sabor e textura únicos.

Influência Judaica

Uma fase interessante da história dos enchidos em Portugal está ligada à comunidade judaica, especialmente durante a Inquisição no século XV.

Para evitar perseguições, muitos judeus convertidos ao cristianismo (os chamados cristãos-novos) criaram enchidos sem carne de porco, como a alheira, usando carne de aves e outros ingredientes. Este enchido disfarçava a prática judaica de evitar carne suína, permitindo que os judeus aparentassem ser cristãos observantes.

 

Alheira

 

Modernidade e continuação da tradição

Com o advento da refrigeração e de outras técnicas de conservação no século XX, os enchidos e fumeiro deixaram de ser uma necessidade e tornaram-se uma iguaria. No entanto, as técnicas tradicionais de produção, especialmente em regiões como Trás-os-Montes, Beiras e Alentejo, foram preservadas e valorizadas.

Hoje, os enchidos e fumeiro continuam a ser uma parte integral da cultura gastronómica portuguesa, com feiras e eventos dedicados a celebrar estas delícias regionais.

A sua produção continua a ser um processo artesanal em muitas regiões, garantindo que o sabor e a qualidade se mantenham fiéis às tradições ancestrais.

Os enchidos e fumeiro não são apenas comida. Eles são uma ligação viva ao passado, uma celebração da história e da cultura que moldaram Portugal ao longo dos séculos.

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