A cor e os trajos quando chegava o Inverno

Trajos de Inverno de antigamente

Aproxima-se o Inverno. (…)

E, uma boa manhazinha, as montanhas à vista cobrem-se das primeiras neves.

Serenamente, no ar leve, as chaminés fazem subir colunas direitas de fumo brando, o fumo anunciador das fogueiras no lar.

«Por Todos os Santos, a neve nos campos», dita o adágio conselheiro. Panorama de Inverno.

Mas se a natureza se prepara, não menos o homem se prepara também. Guerra ao frio, é o lema obcecante. (…)

Do guarda-roupa saem os trajos do Inverno.

Os teares serranos apressam a confecção dos tecidos grossos, que vão cobrir corpos friorentos.

Há uma rima concorde entre a natureza envolvente e o trajo influído.

Se a lã e o linho são função da economia regional, a cor escura dos pardos casa bem com a opacidade sombria dos dias sem sol, mimetiza a cinza das rochas, a sépia dos barros, a negrura das terras molhadas.

Para os frios, que retalham a carne, a grossura dos panos, ásperos, monótonos, feios, que fazem das pessoas neles vestidas indecisões de forma e de cor, personagens de Greco e Columbano.

Para as ventadas, fatos e andainas, que o vento não leve, bem adaptados ao corpo.

Para o trabalho, lei da vida que nem a tirânica soberania da estação tolhe, peças de vestuário que resguardem o tronco, protejam a cabeça, escorram a chuva, defendam as pernas, isolem os pés, e sempre com obediência à necessidade principal de ficarem livres os braços, para que o trabalho não sofra.

Chega o frio e os trajos são outros

«O bácoro, a fome e o frio fazem grande ruído», – brada o adágio (António Delicado, Adágios Portugueses, ed. de 1924, págs 230).

E, para o ruído, provocado pelo frio, – ruído como o da «casa onde não há pão», – não acabe o mundo ou deite pelo menos a casa abaixo, é necessário cobrir-se o corpo com as roupas próprias.

Saltam das arcas, dos gavetões, dos pregos e cabides, vêm à última hora, à vez, dos teares montesinhos, ou do fanqueiro da aldeia, do vendilhão ambulante, saragoças, estamenhas, buréis, briches, riscadinhos, sirguilhas, xergas.

Panos para fatos de homem e roupas de mulher, levam as lãs grossas do gado monteiro, os tomentos e a estopa da limpeza e o carpeio do linho.

O fulão pisoa o panaço áspero e grosso, a amansá-lo com a pancada, a amoldá-lo, apertando-o, esmagando-o, o que o maleabiliza um tanto e o fecha à larga osmose do ar frio de fora.

A fogueira arde na cozinha fumarenta das casas de melhor condição; e na casa popular da serra, a quadra única, de serventia geral, vai-se transformando em lareira ardente, a enchê-la de calor e de fumo opaco de cortar à faca.

O cheiro das resinas queimadas é o característico da estação; umas após outras, consomem-se as cargas de lenha de pinho e de sua rama com as «agulhas» secas, de que tão numerosa, variada e pitoresca nomenclatura popular Cláudio Basto anotou (Nomes de «agulhas» secas, Porto, 1916) e tão bela fogueira fazem.

O bragal de roupas brancas da bela indústria minhota, blanche industrie, que M. Breton admirou por 1810, quando viajou em Portugal, amarelece com a fumaceira nas arrecadações onde se estratifica e toma o cheiro da camoesa ou da alfazema por elas espalhada.

Trajos usados para proteger do frio

O trajo inverneiro compreende o que se veste no corpo e o que dele se dependura e o agasalha – vestimenta e defesa, ambas concordes e complementares.

Cores baças, das lãs charras, que o instinto apropriou e de que todo o proveito conseguiu tirar a prática conselheira; formas largas, que o uso mostrou as melhores para aquecimento do corpo envolvido; peças sobrepostas, sem intervalos, oferecidos à friagem do vento agudo; extensão alongada, para cobrir o máximo.

Casacos curtos, saias sobre saiotes ou saiolas, o mantéu ou mantel, a capucha, a sagôna de Sendim de Miranda; o avental (singuidalho ou sanguidalho) é agasalho e defesa, o mandil mirandês vai até aos pés.

A castreja usa sobre a cabeça a capucha de burel, que lhe forma touca e desce até meio da coxa; casebeque, saia e singuidalho de fuloado de lã ou de linho, calções e piucas sem pé. [imagem na próxima pág.]

Nos pés, prende com «baraças» ou ligas as «chancas» de pau; cobre os pulsos e as mãos com manguitos de burel.

Nos Doze Casamentos felizes (3ª ed. 1902, pág.101), Camilo Castelo Branco descreve a barrosã de Cerigo, nas Alturas do Barroso: «uma grossa e corpulenta moça com a cabeça tosquiada, pés descalços, saia de tomentos curta pelo joelho, as pernas vestidas nuns canudos de lã hirta e negra, e sobre os ombros um mantéu de baeta escarlate

Falando de Barroso, diz o mesmo romancista em Os Brilhantes do Brasileiro (4ª ed. pág. 191): «uma terra que chamam Barroso… O sítio é triste, é montanhoso, as casas são colmadas, os alimentos grosseiros, os frios de inverno glaciais...»

A capucha

A capucha tem outros nomes: capucho, corucha, corucho, crucho e crucha e corucelo (Pitões).

Usam-na homens e mulheres, mas curta no Norte (Soajo, Castro Laboreiro, Barroso), mais comprida na Beira (Caramulo e planalto de Castro Daire), mais espessa e grosseira além, diferente lá e cá no corte geral, na forma e costura da touca. Todavia o aspecto de todas estas «capucheiras» (Chaves e Montanha) é idêntico.

A capucha derivou na capa de pardo, espécie de capucha sem touca, que se suspende ao pescoço, ora sem gola, ora de gola curta ou reduzida a cós, forma bem indicial da derivação, pois lembra capucha a que tivessem cortado o capuz.

Esta capa, mantéu sem botões e sem guarnições, cobre homens e mulheres, lançada nos ombros e descendente aos pés (Barroso a Montesinho e Serra de Nogueira).

O trajo masculino

O burel, a borlina, a saragoça beiroa são a matéria prima do trajo masculino.

São frequentemente usados calções; polainas brancas de burel cobrem as pernas de homens e mulheres e, Castro Laboreiro; polainas de burel pardo cobrem as pernas do barrosãos; o uso do calção vai de Lindoso, à Estrela, ao alentejo.

Os safões, assafões, seifões protegem as pernas contra o mato e contra o frio; são de pele de ovelha, em geral, mas também os há de pele de cabrito ou anho (Barroso, Serra de Cabreira) e de lobo (Barroso).