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A música tradicional está em permanente mutação

Música tradicional em mutação

Não existe tal coisa como a música popular genuína, intemporal, conservada intacta desde há séculos, como se estivesse isolada da sociedade e das transformações de hábitos e costumes que se vão operando ao longo dos tempos.

Bem ao contrário, a música tradicional é um género dos mais mutáveis, recebendo e adoptando constantemente novas contribuições exteriores, as quais, depois de assimiladas e testadas pelo tempo (no sentido de permanecerem, por fazerem sentido, funcionalmente falando, para a vida das comunidades em questão), passam também elas a fazer parte do corpo musical tradicional.

Trata-se, pois, de um género musical permanentemente contaminado, receptivo a influências e transformações provindas de outras camadas sociais de outras terras, de novos tempos com novos hábitos. O reportório musical das tunas é um bom exemplo desse tipo de contribuição.

Muitas modas populares tradicionais são adaptações

Quantas modas populares tradicionais são, na verdade, adaptações, por vezes simples cópias, de marchas e valsas? E de contradanças, polcas e mazurcas?

O que é o corridinho, senão uma chotiça, que por sua vez é uma polca mais lenta criada em meados do séc. XIX na Europa Central e vinda até nós através do teatro musical e de agrupamentos musicais aparentados, ou do género, das tunas?

E o que é a moda de dois passos (nalguns sítios conhecida por valsa de dois passos) senão uma mazurca?

Estes e outros exemplos justificam plenamente que, para um perfeito conhecimento das músicas que circulam na tradição oral rural, sobretudo das modas bailadas, e das suas origens, seja essencial o estudo comparativo do reportório das bandas filarmónicas e das tunas.

A necessidade de contribuir para a alteração da perspectiva com que se tem encarado a música tradicional em Portugal foi a razão que já nos levou a dedicar um livro/disco desta colecção Sons da Tradição a um grupo etnográfico, a Rusga de S. Vicente, de Braga, em que predominam as músicas coreográficas, é a razão por que resolvemos agora dedicar o terceiro volume da mesma coleccão às tunas rurais e aos géneros musicais por elas praticados.

As Tunas são grupos musicais organizados

O fenómeno das tunas, como grupos musicais organizados, teve nascimento na segunda metade do séc. XIX e o seu reportório tem sido desde então essencialmente constituído por aquilo que vulgarmente – e um pouco erroneamente – se designa por música ligeira, um género musical destinado ao divertimento, ao lazer, à dança.

Trata-se, é seguro, de música de autor, geralmente de compositores menores que regiam bandas filarmónicas ou militares e que também se dedicavam a dirigir as tunas locais.

Mas, como adiante desenvolveremos, isso não lhe retira importância no estudo da música de tradição oral, já porque toda a música que se encontra em processo de tradicionalização teve necessariamente, em dado momento histórico, o seu autor, já porque há sinais que indicam que também este tipo musical deu contribuições relevantes para o acervo actual da música tradicional portuguesa.

E, por todo o exposto, importante o estudo e a divulgação do fenómeno das tunas rurais.

Começámos por tomar contacto com a música dessas tunas ainda na primeira metade da década de oitenta, durante as pesquisas que temos vindo a realizar um pouco por todo o país.

As Tunas têm interesse para as respectivas comunidades

Embora efectuando algumas gravações não lhe atribuíamos de início muita atenção, exactamente por a considerarmos fora do conceito e do processo de tradição oral, destinando-se os registos que íamos fazendo a documentar um género musical que entendíamos exterior a esse conceito.

Mas o interesse que ela tem para as comunidades onde persiste acabou por nos levar a estudar e entender o fenómeno, bem como a tentar alcançar o seu papel no campo geral das músicas populares e as suas contribuições para a música de tradição oral em especial.

Como adiante explicaremos, até um pouco além do meado do séc. XX, viveu-se por todo o país um furor, uma paixão pelos agrupamentos instrumentais de cordas, tanto nas vilas e cidades, como nas mais recônditas aldeias. Quase não haveria uma freguesia do pais onde não tivesse existido uma tuna.

Assim sendo, não é possível ignorar a importância deste movimento musical, como não é também possível negar que os géneros musicais por ele interpretados tenham exercido influência sobre a música rural

Fonte do texto e imagem: Jose Alberto Sardinha, “Tunas do Marão”, págs. 15 a 17. Edição da Tradisom. Com autorização do autor e do editor. (Texto editado) – Imagem: A Tuna de Mondrões/Bisalhães em 1935