Usos, costumes e tradições

A Festa das Papas | Usos e costumes da Beira Baixa

A Festa das Papas

Castigo do céu, lição para os homens, os campos de Alcains foram de uma vez invadidos por terrível praga de gafanhotos.

As paredes brancas das casas negrejavam com a enorme bicharia.

Às árvores havia ela roído toda a folhagem pouco mais lhes deixando que os troncos denudados.

Os milharais haviam desaparecido, e quando a praga levantava voo toldava o próprio sol.

Nossa Senhora da Conceição, patrona e orago de Alcains, São Pedro, com a sua linda ermida a pouco mais de dois quilómetros a nascente, não podiam abandonar os seus devotos.

Alcains caiu por isso suplicante a seus pés.

Far-lhes-ia anualmente festas de dois dias:

– domingo para exultar o Senhor,

– segunda-feira para distribuir com prodigalidade a todos os pobres do lugar e aos das redondezas que ali viessem, papas de milho recolhido рог esmola ou oferta dos lavradores.

A povoação ficaria dividida em duas áreas limitadas pela ribeira da Líria: a mais alta, a Do cimo ou Outeiro e a De baixo.

No ano em que uma fizesse a festa a Nossa Senhora da Conceição faria a outra a sua a São Pedro, e vice-versa.

E constituíram as Confrarias com seus juízes, escrivães, tesoureiros e procuradores, tendo preparado, no mais curto prazo, as festas que efectivamente foram levadas a efeito ainda nesse mesmo ano.

E a praga, como por encanto, desapareceu!

Desde 1640…

Estava-se em 1640, data em que o povo português se devia igualmente ver liberto de não menor e perigosa invasão, a dos Castelhanos; e, de então até hoje, jamais os moradores de Alcains [Beira Baixa] deixaram de cumprir religiosamente a velha promessa.

E por isso, presentemente, como então, realizam com todo o esplendor,

– no último domingo de Agosto, a festa em louvor de São Pedro

– e no domingo imediato em louvor de Nossa Senhora da Conceição.

Agradecimento pelo benefício prestado, voto para que continuem a protegê-la contra nova praga, continua nos domingos a realizar a festa de igreja, nas segundas-feiras a das papas.

Num e outro dia, em tempos que não vão distantes, eram armados altares junto das casas dos festeiros em frente dos quais o povo, especialmente os rapazes e as raparigas, vinha dançar e cantar as modinhas locais e trazer opíparas fogaças para serem vendidas em leilão.

E nas segundas-feiras, ainda hoje como nos tempos mais distantes, à porta dos festeiros, em plena rua, dezenas de caldeiras de papas de milho aguardam que todos da povoação, e quantos de fora venham, se sirvam.

E se os procuradores e os demais das Confrarias cuidavam, e ainda cuidam, da receita para as festas da Igreja.

Os rapazes e as raparigas, sem Confraria nem escolha, todos mancomunados na mesma missão, faziam, e ainda fazem, a colheita ou peditório do milho para as papas, dançando rua em rua de Alcains, porta em porta dos lavradores.

Fonte: “Etnografia da Beira”, Jaime Lopes Dias  (texto editado e adaptado) | Imagem