Tipos de mulheres – Viana do Castelo (Minho)
As mulheres de Viana do Castelo
Pertence a As Farpas este luminoso pedaço de prosa sobre os costumes e usos das mulheres de Viana do Castelo, que Ramalho Ortigão descreve com todo o colorido e toda a masculinidade do seu estilo:
“A mulher do campo não está sujeita a nenhuma dessas influências deprimentes da normalidade da expressão no rosto humano.
Além disso, no campo de Viana, a educação geral das mulheres corresponde, pelos elementos estéticos que nela decorrem, pelas faculdades que desenvolve e pelos hábitos que determina, a uma verdadeira escola de beleza.
A aldeã do distrito de Viana é, por via de regra, tecedeira.
É preciso não se confundir o que no Minho se chama tecedeira com o que geralmente se entende por teceloa.
A tecedeira de Viana não se emprega numa fábrica nem tem propriamente uma oficina.
Sabe simplesmente tecer como a menina de Lisboa sabe fazer crochet; e junto da janela engrinaldada por um pé de videira o seu pequenino tear caseiro, como o da casta Penélope, tem o aspecto decorativo de um puro atributo familiar, como um cavalete de pintura ou um órgão de pedais no recanto de um salão.
A tecedeira trabalha mais para si do que para os outros nesse velho tear herdado e transmitido de geração em geração, e não tece servilmente e automaticamente como nas fábricas sobre um padrão imposto pelo mestre da oficina, mas livremente, como artista, ao solto capricho da sua fantasia e do seu gosto, combinando as cores segundo os retalhos de lã de que dispõe, contrastando os tons e variando os desenhos ao seu arbítrio.
Educar os sentidos…
Tecer em tais condições é educar a vista e o gosto para a selecção das formas num exercício infinitamente mais útil que o de todas as prendas de mãos com que nos colégios se atrofia a inteligência e se perverte a imaginação das meninas de estimação ensinando-lhes ao mesmo tempo como se abastarda o trabalho e como se desonra a arte.
Além de tecedeira, toda a rapariga de Viana é também uma fiandeira, sabe cardar, sabe espadelar, e ela mesma se ocupa com uma notável variedade de conhecimentos e de aptidões de todos os processos por que passa a lã e o linho desde a tosquia do carneiro e desde a ceifa do linhal até à confecção completa da sua linda saia e da sua admirável camisa.
Sabe ainda manejar os bilros e fazer as rendas, e sobra-lhe tempo de todas estas ocupações tão variadas e tão completas para deitar galinhas e para fabricar manteiga tão fina como a da Normandia.
Não é rara a rapariga que na feira de Viana vende simultaneamente todos esses produtos da sua indústria: as galinhas, os ovos, a manteiga, o pano de linho, o pano de lã, a sirguilha, os bordados e a renda.
Além do que está dos pés à cabeça ricamente vestida pelo trabalho que ela só executou, desde a primeira manipulação das substâncias-primas tomadas à matéria bruta, até ao último ponto da costura e à última malha da renda.
De duas ovelhas, de uma leira de terra e de um punhado de semente ela extrai pela sua aptidão e pelo seu talento todo o enxoval do seu noivado e todo o bragal da sua família.
O respeito dos outros…
Extrai ainda alguma coisa mais preciosa que tudo isso, e é o respeito dos outros e a dignidade de si mesma.
Toda a espécie de trabalho determina o desenvolvimento de uma faculdade correspondente e de uma virtude correlativa.
Das ocupações habituais da mulher das margens do Lima procede a cultura das qualidades que a educação mais deve desenvolver no espírito e no carácter da mulher.
Da multiplicidade das aptidões aplicadas, a tarefas diferentes resulta a necessidade de uma justa divisão do tempo por um espírito de reflexão e de ordem.
O movimento do tear contrabalança para a coordenação ginástica dos músculos o movimento dos bilros.
A aplicação do desenho e das cores aos tecidos e aos bordados cria o sentimento estético, exerce a vista, e desenvolve a atenção, a paciência, a contenção intelectual, a perseverança do espírito, a pacificação dos nervos.
A variedade no trabalho, repartido por obras tão diversas como aquelas em que se emprega a mulher de Viana, aligeira o cansaço, corrige a preguiça do cérebro, mantém a alegria com a frescura da vontade, obsta aos enervados desfalecimentos e ao tenebroso desânimo que a inação provoca, e livra de empalidecer indo ao luar colher o zimbro ou a erva moliana, e de parar pelas devesas na volta da feira a interrogar os cucos: – Cuco da ramalheira quantos anos me dás de solteira?
O trabalho das rendas basta, por ele só, para criar os hábitos de simetrização, de alinho, de asseio e de esmero, que necessariamente se comunicam da nitidez da operária a tudo que a rodeia – os seus vestidos, a sua casa.”
, As Farpas (texto editado e adaptado) | Imagens: “Branco e Negro“, nº5-9, 1896