A Etnografia no Postal Ilustrado – Opinião
A Etnografia no postal ilustrado
Desde os tempos mais remotos, o Homem procurou sempre conhecer diferentes terras e culturas, partir à descoberta de outras civilizações e povos com outros usos e costumes. Tendência que foi sempre acentuada com o desenvolvimento da actividade mercantil, nomeadamente as grandes rotas comerciais e o estabelecimento das feiras medievais.
Contudo, o turismo, encarado enquanto mercadoria, só veio a surgir com o aparecimento da sociedade moderna determinado pelo processo de industrialização dos meios de produção e a criação de novos bens de consumo.
O turismo, incluindo as actividades sociais com ele relacionadas, constituiu assim mais um produto que visou a princípio satisfazer os prazeres de uma sociedade burguesa que pretendia ao mesmo tempo a sua afirmação social.
Mais do que reunir conhecimentos, o turista burguês procurava afirmar o seu cosmopolitismo e evidenciava-se como um coleccionador de bizarrias. Entre estas figuravam costumes típicos que se apresentavam estranhos ao senso comum do habitante da cidade que ignorava a existência humana para além do que lhe era dado a observar através das lunetas, nas noites de ópera no Teatro S. Carlos.
É neste contexto que os trajes típicos das diferentes regiões do país surgem como uma curiosidade que é copiada pelas famílias burguesas como disfarces carnavalescos e se multiplicam postais e outras ilustrações retratando tão bizarros costumes para gáudio de pessoas consideradas civilizadas.
O aparecimento do postal ilustrado
O aparecimento do postal ilustrado encontra-se associado ao turismo moderno que teve o seu advento sobretudo a partir dos começos do século XX.
A Revolução Industrial operada no século XIX permitiu uma evolução notável das vias de comunicação, nomeadamente nos meios de transporte ferroviário e fluvial.
Com elas veio também a instalação de grandes hotéis, casinos e outras formas de entretimento para os viajantes. Muitos deles estrategicamente situados no centro das capitais ou junto às estações de comboio.
A partir de então, os países e os continentes tornaram-se mais próximos, encurtando substancialmente o tempo demorado em viagens. Entretanto, surgiu o automóvel e, com ele, a possibilidade de deslocar-se mais facilmente e conhecer novas paisagens.
Beneficiando do progresso então verificado, que veio introduzir novos hábitos na sociedade, as pessoas começaram a viajar. Partiam à descoberta de novas terras e novas gentes, procurando por esse meio também enriquecer os seus conhecimentos em contacto com novas realidades.
À semelhança do que antes se verificava com as estadias nas termas, viajar passou também a constituir uma forma de afirmação do estatuto social das classes mais abastadas.
O desenvolvimento das artes gráficas
Mas a industrialização não se reflectiu apenas no desenvolvimento dos transportes e vias de comunicação. Também as artes gráficas registaram um progresso notável com o desenvolvimento da zincogravura e, mais tarde, o aparecimento da impressão em offset.
Este avanço dos processos de impressão possibilitou um incremento e uma melhoria na qualidade da imprensa. Melhoria que se reflectiu
– na produção de uma maior quantidade de jornais,
– no aparecimento das revistas ilustradas e publicações para viajantes
– assim, como não podia deixar de suceder, na invenção do postal ilustrado.
Ao visitar um determinado local, o viajante tem a possibilidade de enviar à família ou aos amigos uma recordação do local por onde passou, realçando os aspectos locais que mais lhe apraz visitar e, simultaneamente, fazer-se notar na sociedade. Em consequência, o postal ilustrado tornou-se um excelente meio de promoção turística.
O postal ilustrado nunca pretendeu constituir-se como um registo histórico de um acontecimento ou sequer da imagem num determinado espaço temporal.
De resto, os seus editores nunca adquiriram o hábito de inserirem a data de edição. Isto porque, destinando-se a serem vendidos, os mesmos por vezes permaneciam nos expositores por largos períodos de tempo até se esgotarem as edições.
Porém, com o decorrer do tempo, as imagens que o postal reproduz vieram de certa forma a tornar-se um documento histórico. Pois acabaram por registar uma realidade que existia ao momento em que as imagens foram captadas para serem reproduzidas no postal.
O postal ilustrado não é fiável como documento histórico
Não obstante o registo constante do postal ilustrado poder documentar um determinado momento histórico, ele não é inteiramente fiável. Dado que mesmo registo é propositadamente alterado pelo editor segundo critérios estritamente comerciais.
Épocas houve que as cores quentes eram acentuadas e introduzidos elementos não constantes como nuvens e flores para preencher os espaços vazios e conferir um colorido mais atraente. Isto, da mesma forma que actualmente se procede a autênticas operações de limpeza com o recurso a programas informáticos de tratamento de imagem.
Não dispondo o postal ilustrado de data de edição, apenas é possível calculá-la aproximadamente através da imagem que reproduz ou ainda das técnicas utilizadas e dos grafismos empregues. Tal sucede com a utilização da fotografia, a impressão a preto, as diferenças de formatos e tonalidade das cores, a serrilha e outros elementos estéticos aplicados na sua produção.
Todos esses aspectos encontram-se directamente relacionados com a evolução dos meios de produção gráfica e ainda dos gostos gráficos e modas utilizadas em cada época.
Apesar das mudanças ocorridas, os motivos etnográficos nunca deixaram de constituir motivo de figuração no postal ilustrado.
O viajante é sempre atraído pelo colorido do traje tradicional ou pela informação de natureza etnográfica que nele está contido.
Não raras as vezes, o elemento etnográfico é mais representativo do que qualquer outro em relação a uma determinada região ou país. Dá-se como exemplo, nomeadamente, o traje à vianesa.
É indiscutível que este e o galo de Barcelos são mundialmente mais conhecidos do que muitos monumentos do nosso país!
Carlos Gomes, Jornalista, Licenciado em História

