Cavacórios de São Lázaro – Vila Real
Cavacórios de São Lázaro
Não há qualquer registo documental, ou até agora não foi descoberto nas profundas pesquisas efectuadas, que refira os «Cavacórios». Quer em termos da sua origem quer do seu uso ou tradição nas terras de Vila Real.
Também as lendas e ditos populares, quantas vezes os únicos vestígios históricos onde esta ciência vai beber para depois os testar e dar credibilidade, não fazem especiais referências a este doce.
Ele entrou no uso e tradição de uma forma até agora desconhecida. E sabe-se apenas que a sua aparição e consumo são mais frequentes no período ante-Pascal, mais precisamente nos Lázaros.
É, no entanto, um dos exemplares mais típicos e conhecidos da doçaria tradicional da urbe transmontana.
No Domingo de “Lázaros”
Como se sabe, diz o povo que a seguir ao Domingo de S. Lázaro, vem o de Ramos, e depois na Páscoa estamos. O cavacório é assim um dos primeiros sinais da aproximação da Semana Santa.
“Ana, Magana,
Rebeca, Susana.
Lázaros, Ramos,
Na Páscoa estamos”.
Não é um doce vulgar noutras regiões, embora apareça eventualmente em confecção e componentes semelhantes, mas de feitio bem diverso.
A sua forma côncava, a indiciar os contornos e a aparência de uma taça, pode dar-nos algumas pistas que o uso tradicional, que ainda lhe é referido e associado, permite ajuizar.
Não propriamente da sua origem real, mas, pelos menos, na perspectiva que o situa na necessidade do seu aparecimento e na evolução da sua forma para aquele objectivo.
Fontes raras associam-no, por antítese de paladar, ao matar da sede, a Cristo crucificado, com o pano molhado em fel que um soldado romano lhe chegou na ponta da sua lança.
Outras fontes protendem configurá-lo à forma da mão de Lázaro, patrono de pobres e doentes, estendida em concha à caridade humana.
Não se encontrou porém qualquer elemento factual ou documental que assegure esta relação menos credível com o doce tradicional. No entanto, pode dar-se o dúbio benefício por tal ser aceitável no quadro do que se lhe seguiu. E também porque a crendice transforma, com o tempo, o mito em verdade absoluta.
O cavacório liga muito bem com o Vinho Fino ou Generoso
Sabe-se, porém, que um dos modos de apreciar um cavacório é o seu acompanhamento com Vinho do Porto. Esta é a designação comercial mais conhecida e associada a um produto que é genuína e exclusivamente duriense. Portanto, de paragens também vila-realenses.
Sendo uma das suas variedades um vinho doce, é complemento de refeição e final de sobremesa. Foi associado ao cavacório pela doçura da sua cobertura e pela massa que o forma a ajuda a «absorver».
Numa das suas mais típicas deglutições faz-se verter o vinho no cavacório, que vira assim «cálice» branco e doce onde se exalta a simbiose de sabores que se conjugam e definem um conjunto a marcar um paladar mais forte.
Não se acentua pelo «contraste», pois há outras formas de degustação em que o «Generoso» também se aprecia com um salgado, mas sim pela sensibilização de idênticas zonas palatais.
Seja ele qual for, bebe-se sempre a qualquer hora e em qualquer «companhia» desde que seja velho e bom.
Será, pois, mais razoável e credível a associação ao Vinho do Porto, para as gentes do «Doiro» «Generoso» ou «Fino», o vinho que é da maior tradição na família portuguesa.
Brinde mais usado em qualquer festa
É o costume mais forte e o brinde mais usado em qualquer festa, e celebra noivados e baptismos, aniversários e regressos, negócios, amores e até desencontros, e é companheiro na solidão ou no infortúnio.
Por isso há sempre cálices brilhantes à espera deste sol engarrafado que lhes dá ainda mais brilho, e bem, assim o melhor sabor a um cavacório que alegra as festas e as tradições.
É aqui, à beira do Marão que desce pelos socalcos dos vinhedos até ao Douro, que o sol e o xisto se transformam para encher cálices e conchas de néctares que ressumam o labor de quem os trabalhou e amou.
É aqui também que, dos segredos das iguarias culinárias e da doçaria, apareceu o cavacório que serve de taça ao ouro do Douro.
Retirado de folheto promocional da Região de Turismo da Serra do Marão. Pesquisa histórica de Juvenal Cardápio (texto editado, adaptado e aumentado) | Imagem
Nota
O São Lázaro celebrado na sua capela, situada na Rua Sargento Pelotas / Bairro dos Ferreiros
– será o Lázaro de Betânia, irmão de Marta e de Maria, amigo de Jesus, e a quem Ele ressuscitou, conforme o Evangelho de João (Jo 11,1-46)?
– ou será o Lázaro, mendigo e leproso personagem de uma parábola de Jesus Cristo: “O Rico e Lázaro”, reproduzida no Evangelho de Lucas (Lc. 16,19-31))?