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Vareiros e Varinos |Textos e opiniões

Vareiros e Varinos

Da foz do rio Douro às lagunas do Vouga e dunas de São Jacinto, na Costa Nova e no Furadouro, na Murtosa, as gentes vareiras distinguem-se

– pela sua peculiar forma de ser e de trajar,

– o seu falar característico

– e o seu modo de vida, geralmente associado às lides do mar.

Desde há séculos que estas gentes laboriosas partiram para outras paragens em busca do sustento que nem sempre logravam alcançar na sua terra ou, melhor dizendo, no mar que o banha.

E, vai daí, os ilhavenses aventuraram-se por esse mundo fora, enfiados nos velhos bacalhoeiros que demandavam à Terra Nova ou em qualquer actividade de embarcadiço. Ainda hoje é difícil não encontrar um natural de Ílhavo num qualquer navio a navegar em mar alto sob qualquer pavilhão, fazendo juz à fama que conquistaram os portugueses de quinhentos.

O bairro da Madragoa, em Lisboa

De Ovar e da Murtosa formaram as suas gentes novas colónias de pescadores que se estenderam ao longo da costa até às praias do Algarve, fixando-se muitas delas nos mais antigos bairros lisboetas. Madragoa constitui talvez o núcleo populacional mais homogéneo constituído por gente vareira.

Quem não se lembra ainda das graciosas varinas que, de canastra à cabeça, saracoteando as ancas e apregoando com o seu jeito característico, percorriam a cidade da ribeira às colinas, vendendo o peixe que arrematavam na lota ou iam buscar ao cais à chegada das velhas faluas.

Com efeito, a expressão varino ou varina tornou-se usual sobretudo em Lisboa para designar as gentes oriundas daquela região à beira-mar, entre Aveiro e o Porto. Provavelmente pela sua maioria ser oriunda da área do concelho de Ovar e, por esse facto, talvez aquela designação constitua uma corruptela dos gentílicos ovarino e ovarina.

Em todo o caso, quaisquer das expressões está associada às características geomorfológicas daquela zona do rio Vouga e das formas que os seus naturais tiveram para se adaptar ao meio. Antes de mais, convém lembrar que o topónimo Ovar possuí a sua origem na raiz Var em acoplação com o artigo definido resultou na sua designação actual: Ovar, de O Var.

Var e vau são designações que significam laguna ou estuário, tornando-se por conseguinte lugares de varadouro, ou seja, sítio propício para as embarcações poderem varar. Precisamente ao invés de fundeadouro, que se refere a um local fundo onde apenas é permitido fundear.

Ora, para as pessoas menos familiarizadas com as lides do mar, também se designam por varadouros as pequenas rampas de acesso a terra que existem junto de muitas lotas e portos de pesca no nosso país, onde frequentemente são deixadas as embarcações em terra firme.

Vareiro é também um barco

Por seu turno, vareiro é também designado o barco característico deste região, pequeno e estreito, de fundo chato como convém e que geralmente é conduzido à vara. Aliás, tal como sucede com os barcos saleiros e moliceiros que, na realidade, são sucedâneos dos velhos barcos vareiros.

Ora, este género de embarcações, muito usual nesta zona do rio Vouga, contrasta profundamente com os barcos saveiros que se aventuram na costa e enfrentam a forte ondulação. Precisamente, o seu fundo chato permite a varação e também navegar… à vara !

Mas, a designação vareiro e varino acaba associado a muitos outros aspectos da vida destas gentes. Assim, por vareiros são também designadas as varas que os homens levavam às costas com um cesto em cada ponta, geralmente para neles transportarem o peixe.

Neste caso, o vareiro consiste numa vara comprida e delgada. E, por vareiros eram também designadas as varas com que outrora formavam as latadas antes de serem substituídas pelo esticadores de arame.

Por vareiro ou varino era também designado o gabão que as gentes desta região vestiam. Era uma espécie de capa que as agasalhava do frio cortante e da brisa marítima nas longas manhãs à espera que os barcos regressassem da faina. Finalmente, a vareira é juntamente com o vira uma das danças tradicionais mais características das gentes varinas.

Com o seu chapéu de copa alta e aba curta forrada a veludo como usam os de Ílhavo e de Ovar ou de copa baixa e aba larga como agrada aos da Murtosa, as gentes vareiras constituem um tipo étnico que se distingue facilmente de outras regiões. Possuem talvez maiores afinidades com a região de Entre-o-Douro-E-Minho, provavelmente originadas pelas influências da antiga Galécia, que chegou a estender-se até às margens do Mondego.

Carlos Gomes, Jornalista, Licenciado em História