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Sobre a música de tradição oral portuguesa

Sobre a música de tradição oral portuguesa

A música de tradição oral não nasceu de criação colectiva ou espontânea, nem vem desde o fundo dos tempos, como substracto imutável da genuína alma nacional, como pretendiam os românticos e ainda hoje por vezes se ouve. Bem ao contrário, como já dissemos, a música do povo é uma realidade em permanente mutação e sujeita às mais variadas influências externas, de outros géneros musicais, de outras regiões, de outras camadas sociais.

A música tradicional não é de criação colectiva, mas de apropriação colectiva. A sua transmissão é oral, por ser uma música não escrita.

As manifestações que consideramos hoje como pertencendo à tradição popular tiveram necessariamente uma origem individual, frequentemente erudita ou semi-erudita, só passando a ser colectivas à medida que o povo delas se foi apropriando e as foi transmitindo às gerações seguintes, caindo no anonimato a sua autoria e perdendo, no transcurso do tempo e das gerações, a marca da sua origem.

A música de tradição oral é transmitida de geração em geração

O que releva, pois, para o estudo etnológico e a adopção, por parte do povo, de materiais que são depois assimilados, apropriados, plasmados pelas massas anónimas às suas necessidades, ao seu sentir, à sua vida, e subsequentemente transmitidos à geração seguinte.

Por fim, só as manifestações que, depois de assim assimiladas e transmitidas oralmente, perduram ao longo de várias gerações, é que virão a ser consideradas como tradicionais (traditio, do latim, significa transmissão) e pertença colectiva de toda uma comunidade, ou seja, parte integrante da cultura popular tradicional.

Mas para serem consideradas tradicionais, deverão ser aceites por um conjunto populacional relativamente vasto com laços e afinidades culturais, de sorte que o levam a “querer” tal manifestação como sua, a querer mantê-la, por fazer sentido nas suas vidas, no seu seio e no das gerações seguintes, durante um alargado período de tempo.

Dito isto, cumpre retomar a afirmação de que a música de tradição oral está sujeita às mais variadas influências externas, às contribuições de outras músicas, de outras origens.

O povo (em sentido étnico, lembre-se, e não político-social) pratica em cada momento histórico a sua musica, mas vive em permanente contacto com outros géneros musicais, deixando para trás as músicas que não fazem sentido para a sua vida, recebendo e adoptando outros géneros musicais, que passarão, ou não, as gerações seguintes consoante fizerem, ou não, sentido à vida das comunidades em causa.

A influência da música europeia

Assim sendo, como é inquestionavelmente, a música de tradição oral portuguesa recebeu necessariamente a influência da música europeia que se difundiu entre nós nos sécs. XVIII e XIX, de que são exemplos maiores as contradanças, as quadrilhas, as marchas, o fandango, a valsa, a polca, a mazurca, a chotiça.

Trata-se de géneros músico-coreográficos que toda a Europa (incluindo naturalmente Espanha e Portugal) cultivou durante esses séculos e até aos nossos dias, quer entre a alta sociedade, quer nas classes média e popular.

Sabe-se como outrora o minuete dominou o panorama da dança palaciana europeia. Depois, a contradança, a valsa, a marcha, a polca, o pas-de-quatre, a chotiça, vieram sucessivamente a entrar em voga e a avassalar todos os países da Europa, até alguns da América.

Quase todos os compositores eruditos cultivaram estes géneros. Haydn, Mozart e Beethoven, por exemplo, compuseram contradanças. Muitas marchas foram escritas por Haendel, Haydn, Mozart, Beethoven, Cherubini, Chopin, Berlioz, Mendelsohn, Gounod, Bizet, Verdi, Wagner, e entre nós por Alfredo Keil.

Fonte do texto e imagem: Jose Alberto Sardinha, “Tunas do Marão”, págs. 19 e 20. Edição da Tradisom. Com autorização do autor e do editor. (Texto editado) – Imagem: “Gaiteiro, caixa e bombo. Vinhais, 1986