Gastronomia

O sável é um peixe já apreciado pelos Romanos

Sável

«Lembra-se a senhora baronesa daquelas felizes tardes do sável assado em S. Roque da Lameira?»

Camilo Castelo Branco

A escassez é dramática e, caso não sejam medidas apropriadas, a extinção espreita.

Já apreciado pelos Romanos – há mesmo um poeta latino, Ausónio, que lhe dedicou uma receita -, o sável («Alosa alosa») é um peixe marítimo que, pela Primavera, sobe os rios principais para desovar, altura em que é pescado.

De carne extremamente delicada, algo gorda e particularmente sápida (só não é perfeito pelo excesso de espinhas), convém não o confundir com a prima savelha ou sabogaAlosa fallax»), de menor categoria.

Na sua Descrição de Reino de Portugal (1610), escreve Duarte Nunes do Leão (c. 1530-1608):

«No Tejo notório é a multidão de sáveis que de Santarém para baixo se mata, dos quais há grande carregação assim para o reino como para muitas partes de Castela onde se leva fresco e salgado».

Não se ficava por aqui, conforme diz mais adiante: «Da mesma maneira os rios Mondego, Vouga, Douro, Leça, Ave, Neiva, Cávado, Lima e Minho, é a admirável cousa a multidão que dão de sáveis».

A fartura continuou até meados do século XX, o do início da destruição do planeta pelo homem.

Actualmente a escassez é dramática e, caso não sejam tomadas medidas apropriadas, a extinção espreita.

Causas, as do costume: barragens, poluição, pesca desenfreada e selectiva (as fêmeas, pelas apreciadas ovas, são o alvo principal).

Pelo que já ninguém se escandaliza que, em certas situações festivaleiras de sobreconsumo, o peixe seja importado (até do Canadá, congelado).

O sável na culinária portuguesa

A culinária portuguesa presta-lhe as honras devidas em meia dúzia de receitas.

No Ribatejo, a clássica

açorda de sável, com a componente indispensável das ovas (é batota utilizar as de pescada), a fazer companhia ao mesmo em postas finas e fritas.

Igualmente ribatejano

– o sável na telha, condimentado, envolto em toucinho, encaixado em duas telhas de canudo sobrepostas e bem unidas, assim assado em lume de brasa miúda.

Para as bandas do Douro,

– o sável no espeto, à moda de Areino (antigo santuário de pescaria e manducação, na margem esquerda, freguesia de Oliveira do Douro). As postas são enfiadas num espeto colocado sobre brasas até alourarem, depois cozinhadas em tacho de barro, enroupadas em rodelas de cebola e regadas com azeite e vinagre.

Praticamente da mesma zona,

– o sável fumado, à maneira de tanoeiros e barqueiros. O fumeiro constituído por uma barrica aberta dos dois lados, por baixo serradura a arder, por cima uma rede com o peixe, o que, passadas 12 ou mais horas de fumigação branda, adquire pele escura, carnação rosada e sabor especioso.

Minhoto, mais precisamente de Vila Nova de Cerveira, é o

debulho de sável, engenhoso aproveitamento das partes menos nobres (cabeça, gola, rabo e pequenas postas adjacentes, fígado e ovas se as houver), que se incorporam num refogado a que se junta uma calda do sangue aproveitado, mais vinho verde tinto e temperos, a mesma em que por fim irá cozer arroz.

Sem geografia tão definida,

– o sável de escabeche.

É aproveitar enquanto há.

Guia da Semana – EXPRESSO – Edição Norte | Imagem