Romeiros de S. Miguel – Açores | Quaresma
A Tradição Romeira
A tradição romeira remonta aos tempos medievais, quando era comum os fiéis visitarem os lugares sacros da Cristandade como ato de contrição pelos seus pecados e agradecimento pelas graças recebidas do Alto.
Dois dos mais conhecidos e frequentados santuários da Europa Ocidental eram
– Cantuária na Inglaterra, peregrinação consagrada nos Contos de Cantuária de Geoffrey Chaucer,
– e Santiago de Compostela na Galícia.
Nessa época, todos os caminhos acabavam em Santiago, repositório das tão afamadas e milagrosas relíquias do Apóstolo Tiago.
A Romaria Quaresmal Micaelense pelo Mundo
A Romaria micaelense iniciou-se como consequência dos violentos sismos e erupções vulcânicas que abalaram Vila Franca do Campo em 1522 e 1563, respetivamente.
Numa era em que os cataclismos naturais eram tidos como punição divina pelos pecados do Homem, os sacerdotes locais, tais como o Frei Afonso de Toledo, instigaram o povo à prática da devoção e procissões marianas.
Os micaelenses passaram, assim, a peregrinar pelas capelas, igrejas e ermidas da ilha rogando a proteção da Virgem e intervenção divina para a resolução de seus males e aflições.
A tradição romeira encontra-se bem viva nos corações e vidas dos habitantes atuais de S. Miguel, não havendo, todavia, conhecimento ou registo da sua existência nas restantes ilhas do arquipélago açoriano.
Com a difusão do cultura açoriana pelo mundo através da emigração, o povo micaelense levou, entre os seus vários costumes e tradições, a romaria quaresmal, hoje ainda ponto referencial da sua fé.
Mas também outros, nomeadamente as Festas do Divino Espírito Santo, que está bem presente nos vários grupos romeiros existentes nas comunidades de imigrantes do continente norte americano, os quais regressam anualmente à ilha para manifestar a sua fé junto das seus lugares sacros, invocando a Virgem Santíssima por todo o percurso.
O Traje Romeiro e a sua Simbologia
O Romeiro ostenta o bordão, xaile, lenço e saco ao ombro.
Leva ainda dois terços, um ao pescoço e outro na mão para a oração durante o decurso de toda a romaria.
O bordão serve para apoiar e facilitar o caminhar do peregrino pelas veredas e atalhos acidentados da ilha, o xaile e lenço por sua vez, para protegê-lo do frio e da intempérie.
Embora o traje tenha originado das necessidades puramente físicas do romeiro em peregrinação, este transformou-se com o decorrer do tempo em simbolismos místico-religiosos:
– o bordão relembra o ceptro entregue a Cristo pelos romanos no seu julgamento ante Pilatos,
– o xaile, a Sua Túnica,
– o lenço, a coroa de espinhos do Seu suplício
– e o saco, a Cruz a caminho do Calvário.
Rituais e Itinerário
A Romaria decorre ao longo de oito dias, findando o itinerário no ponto de partida.
Os participantes são, por norma, leigos que contam com a colaboração do clero durante toda a sua realização.
O seu propósito é visitar “as casas de Nossa Senhora“. O itinerário é pré-estabelecido e a sua efetivação está a cargo do Mestre do grupo.
Atualmente, a pernoita e a esmola de outrora foram substituídas por uma organização mais em sintonia com os nossos tempos.
Providencia-se com a devida antecedência a colaboração das paróquias ao longo de todo o percurso previsto para a romaria.
Os paroquianos acolhem os romeiros em suas casas, facultando-lhes a refeição da noite e água quente com sal para os pés fatigados e lacerados pela caminhada.
O romeiro transporta ao ombro o saco de alimentos para as demais refeições da jornada.
Ao lavar os pés do peregrino, alguns anfitriões relembram o gesto de humildade e caridade de Jesus junto dos seus apóstolos.
A Avé Maria é o cântico predominante de toda a romaria, sendo o Pai-nosso ofertado em silêncio enquanto a Glória é rezada somente nas paragens efetuadas durante a jornada.
O Grupo faz-se acompanhar à retaguarda de um Procurador de Almas cuja missão é recolher e quantificar os pedidos de oração das gentes que possam porventura encontrar pelo caminho.
O requisitante deverá, por sua vez, recolher-se e rezar igual número de Avé Marias quanto os romeiros que encontrou.
O Lembrador das Almas recorda os falecidos que jazem nos cemitérios do percurso, instigando os romeiros à oração por suas almas.
Como em quase toda a tradição religiosa popular, o sacro também aqui entrosa-se com o profano nas engraçadas histórias e piadas contadas à volta da refeição, as quais espelham toda a alegria e bonomia do convívio fraternal entre romeiros.
A Romaria Micaelense no mundo atual
Não obstante a sua história secular, a Romaria Quaresmal Micaelense é bem atual.
Ela proporciona ao fiel o retiro espiritual onde poderá redescobrir os valores cristãos e aproximar-se do seu Criador num aprendizado vivo e real da fé e consciencialização da verdadeira dimensão do Homem no Universo.
“Somos pequeninos no meio disto tudo … Deus quer revelar a Sua grandeza na nossa pequenez … Que Deus se espelhe nessa pequenez.” (Excerto da entrevista concedida à Adiaspora.com pelo Sr. Padre António Teixeira Pereira)
No mundo atual, assolado por tanta discórdia e tribulação, a paz resultante desta reaproximação a Cristo e à sua Excelsa Mãe, a Virgem Maria, pelos ensinamentos de caridade e humildade bem patentes em todo o percurso romeiro, virá reforçar a presença destas virtudes na vida e prática quotidiana dos seus participantes, refletindo-se numa família mais coesa e uma intervenção social mais tolerante, fraternal, ativa e significativa. Fonte (texto editado e adaptado)
Imagem retirada de Agência Ecclesia