Danças e Cantares

Portugal – Raízes musicais | Minho e Douro Litoral       

Minho e Douro Litoral

A imagem mais corrente e divulgada do folk-lore musical minhoto e duriense é a da sua alegria, de algum modo correspondente a uma certa superficialidade

Pensa-se só nas festas e romarias, nos trajos vistosos carregados de ouro da Senhora da Agonia. Foi esta a ideia que o turismo divulgou, o estereótipo que criou.

Mas a par de povo alegre e folgazão, o minhoto e o duriense são também extremamente trabalhadores e profundamente religiosos e daí que a sua música esteja igualmente ligada aos amanhos da terra e às práticas litúrgicas e extra-litúrgicas que o catolicismo implantou nesta região.

Há, pois, que atender a todas as componentes que constituem a diversidade e a riqueza da vida musical popular.

Ou seja, a alegria e a festa são características inquestionáveis do povo de Entre-Douro-e-Minho.

Ao longo da Primavera e sobretudo do Verão sucedem-se as grandes romarias e as pequenas festas religiosas, sempre com a marca inconfundível das rusgas e das danças populares.

As romarias centenárias

E quem pense que já não é assim, que já se não dança nem canta espontaneamente nas romarias, vá

– ao S. João de Arga,

– à Senhora da Peneda,

– ao S. Bento da Porta Aberta,

– à Senhora do Alívio,

– ao Senhor da Pedra,

– ao S. Cosme,

– à Senhora da Saúde (Castelões),

– ao Senhor da Serra (Castelo de Paiva)

e a tanta, tantas outras romarias minhotas e durienses cujas noitadas permanecem o grande centro do ludismo destes povos.

São Bartolomeu do Mar

Hoje por hoje, é nessas romarias que se canta ao desafio, que se canta e baila a chula, como a que captamos na Senhora da Peneda (faixa 13 do disco).

É para essas romarias que afluem as rusgas das mais variadas proveniências, nalguns casos ainda a pé.

A rusga ao Senhor da Pedra (Miramar, Gaia) que escolhemos para abrir o disco, é uma das mais populares de todas as rondas ou rusgas desta região.

De entre as modas coreográficas, destaque-se a abundância de chulas, de que sobressai a duriense, de uma expressão telúrica muito forte (faixas 5 e 22), não se devendo esquecer as outras músicas bailadas características do Entre-Douro-e-Minho: a Tirana, o Malhão, o Vira, a Cana-Verde.

Os instrumentos musicais

No aspecto instrumental, é de salientar a importância da viola portuguesa, frequentemente designada por ramaldeira, raramente por braguesa e amarantina, e quase sempre simplesmente por viola (faixas 1, 5, 10, 17, 19), cuja origem remonta à guitarra latina trovadoresca, a que Fr. Juan Bernudo no séc. XVI alude como sendo “guitarra”, um parente popular da vihuela.

É instrumento de tanger peculiar (muito lamentamos que, por erro técnico, não tivesse sido possível incluir no disco um tocador de Amarante) e o seu enraizamento nesta região é enorme, outrora para animar os bailes populares, hoje integrando as rusgas e os ranchos folclóricos.

Note-se ainda, para além da presença de cavaquinho (faixas 1 e 19) a da guitarra (faixas 22 e 23), o papel dos violinos, popularmente designados por rabecas, que assumem no Douro uma forma encurtada que ganhou o nome de rabeca chuleira por ser própria para tocar apenas a chula (faixa 5), instrumento hoje praticamente em vias de extinção.

Violino e rabeca chuleira
Violino e rabeca chuleira

Cântico religiosos e cantos de trabalho

No campo de música religiosa, avultam as variadas formas musicais de devoção às Almas do Purgatório (faixas 7, 21 e 27), bem como os cânticos quaresmais e de romaria, de estrutura polifónica.

Lembre-se que todos estes cantos religiosos são indistintamente entoados nos campos durante os trabalhos agrícolas, particularmente na Quaresma, em que estavam vedados os cantos profanos.

Os cantos de trabalho, também a vozes, ocorrem (cada vez menos, visto que estão a cair em desuso) sobretudo nas sachas e nas descamisadas do milho e nos trabalhos do linho (nomeadamente nas espadeladas), e ainda nas segadas do centeio.

Este tipo de cantares polifónicos, que resultam tanto dos momentos de fervor religioso como dos trabalhos agrícolas conferem ao folk-lore musical de Entre-Douro-e-Minho uma gravidade, por vezes quase imponência, que perfeitamente contrasta com a imagem de alegria e superficialidade que anda habitualmente associada ao espírito do povo desta região.

Trabalhos do linho
Trabalhos do linho

Fonte: José Alberto Sardinha, in “Portugal – raízes musicais”, vol.1 – edição do JN – 1997 (texto editado e adaptado)