Os “Pitos” de Santa Luzia | Gastronomia conventual
Os Pitos de Santa Luzia
Ao contrário da maioria da doçaria regional que teve berço “conventual” os pitos, que a tradição manda comer no dia de Santa Luzia [13 de Dezembro] tiveram criadora de origem rural e humilde, na aldeia de Vila Nova, em Vila Real, embora de “fábrica” igual à daqueles.
Foi uma moçoila dali que os “inventou” quando foi servir para o Convento de Santa Clara, onde tomaria o hábito depois dum noviciado entre a cozinha e o apoio aos pobres e doentes a que a Ordem, na sua misericórdia e caridade infinitas, dava guarida de hospital.
Maria Ermelinda Correia, de seu nome de batismo, depois irmã Imaculada de Jesus, era deveras gulosa. Foi este defeito que levou a família a pedir a graça da clausura na esperança de lho transformar em virtude.
O pecado da gula
Conhecendo-lhe o “pecado”, a penitente abstinência que lhe impuseram foi por isso mais forte, e por tal mais redentora, o que lhe agravava o mal e aumentava o padecimento. Na resignação e força da fé lá resistiu às investidas dum estômago ávido de coisas boas e doces.
Não tinha acesso às muitas iguarias que se faziam no Convento, pois eram feitas mais para fora e para as mesas de festa das irmãs regulares.
E se no intervalo dum silêncio de “regra” conventual falava de doces, a resposta de advertência era sempre a mesma: “nem vê-los“, dizia-lhe a madre superiora.
Na sua inocência, e começando a percorrer os caminhos da Fé e da Doutrina para o noviciado, tornou-se devota acérrima de Santa Luzia, orago dos cegos e padroeira das coisas da vista.
Não se sabe hoje ao certo o tempo e a razão desta arreigada crença. Os documentos consultados não o registam com evidente certeza. Tanto pode ter sido porque a madre superiora via muito mal, capacidade agravada na escuridão da clausura conventual, ou pelo agradecimento da ideia que lhe ocorreu para conseguir satisfazer, nos amargores do pecado, a doçura dos momentos escondidos.
Foi assim que os pitos de Santa Luzia lhe foram consagrados, e como tal testemunha a festa que ainda nos dias de hoje, a 13 de Dezembro, na capela de Vila Nova [freguesia de Folhadela], às portas da cidade, mantém a tradição.
E como apareceram os pitos?
A ainda Ermelinda, aspirante a irmã Imaculada de Jesus, tendo ouvido a história do Milagre das Rosas, ao orar a Santa Luzia teve uma visão que lhe aplacou a alma num milagre de doces esperanças.
Naquela manhã fizera o curativo a uns quantos enfermos. Na maior parte dos casos foram feridas, contusões e inchaços nos olhos. O remédio daquele tempo eram os “pachos de papas de linhaça“.
Eram uns quadrados de pano-cru onde se colocava a papa, dobrados de pontas para o centro para não verter a poção. A pequena “almofada” era depois colocada, como um penso, no ferimento.
Foi a sua redenção. Correu à cozinha e fez uma massa de farinha, pois a pouco mais tinha acesso, e cortou-a em pequenos quadrados. Não tinha doce mas, tendo guardado religiosamente o cibo de açúcar que lhe cabia em ração, fez uma compota de calondro (abóbora).
O tacho ao lume poucas suspeitas levantava. As cascas e sobras só lembravam o pouco uso que tinha no caldo e o muito na engorda do gado. E a massa escurecida pelo ponto do açúcar não mais do que a linhaça da mezinha, que se quer cozida.
Dobrou a massa por cima da compota, à imagem dos “pachos”, e cozeu-os no forno sempre quente a qualquer hora do dia. Despachou-se em seguida a escondê-los debaixo do catre da sua cela.
No caminho cruzou-se com a Madre Superiora. No meio da escuridão a abadessa pergunta-lhe o que leva no tabuleiro. A velha senhora ainda empina o nariz para ver se o adivinha pelo cheiro. Diz-se que na falta de um ou outro sentido os restantes se apuram, mas nesta apenas o ouvido era de tísica.
Foi quase descoberta
A resposta, depois de um primeiro engasgar, soltou-se logo. Era tudo em nome das duas santas, a da “receita” e a das rosas, imitadas nesta aspiração de ser igual quando se professa e toma hábito e voto:
“São pachos de linhaça Irmã Madre… para os meus doentinhos que amanhã virão“.
Dali para a frente, e já Irmã Imaculada de Jesus, fez sempre que podia, houvesse ou não olho tumefacto, gretado, remeloso ou negro de um qualquer sopapo de briga de feira, os “pachos” de abóbora.
Não eram muito agradáveis à vista mas, ao menos, satisfaziam-lhe a gula e calavam na profundeza da alma o pecado que não sentia porque, comendo-os na escuridão da cela e da noite, sabia, porque o tinha ouvido dizer, que “do que não se vê não se peca“.
Da evolução dos pachos de abóbora para os pitos que no dia de Santa Luzia se celebram, não rezam as crónicas consultadas, e outras não há que o confirmem ou desmintam.
Vá lá a gente saber o porquê de uma história que, tendo origem tão santa, se vê, talvez na lucobricidade dos Homens, transformada num ritual de trocas e promessas. O pito é dado a quem, de outro santo e outro doce – as ganchas de S. Brás – a deram antes para receber aquele agora.
Retirado de folheto promocional da Região de Turismo da Serra do Marão. Pesquisa histórica de Juvenal Cardápio
Receita dos Pitos de Santa Luzia
Ingredientes
Massa: Farinha; sal; água; ovo
Recheio: Abóbora; açúcar; canela
Preparação
Num alguidar mistura-se a farinha, os ovos, o sal e a água até obter uma massa consistente. Forma-se uma bola com a massa, polvilha-se com farinha e deixa-se a massa a descansar.
Durante o tempo de espera prepara-se o recheio. Coze-se a abóbora passando-a pelo “passe-vite”. A este puré é adicionado o açúcar e a canela.
Estende-se a massa com o rolo e cortam-se quadrados de massa, colocando-se no centro destes uma colher de recheio. Juntam-se os cantos do quadrado de massa formando uma trouxinha.
Levam-se ao forno num tabuleiro polvilhado com farinha.