Usos, costumes e tradições

O Pescador Poveiro – Subsídios etnográficos

O Pescador Poveiro

“Como escreveu Ramalho Ortigão, o pescador poveiro constitui uma raça perfeitamente especial na população da nossa beira-mar.

Na autorizada opinião de Fonseca Cardoso, o pescador poveiro nasceu do cruzamento dos descendentes dessa velha raça semita de origem cananeia, que viveu nas primeiras cidades do Egipto, com esses outros descendentes dos normandos que o fluxo das invasões dos godos e dos suevos trouxe à península.

É um tipo característico e inconfundível; forte e hercúleo, atrevido, virtuoso e bom, porque afeito a afrontar a morte, teme e ama a Deus, de geração em geração, escravo de trabalho rude e honesto, pode orgulhar-se de ter sido ele o sangue vivificador que deu forças ao desenvolvimento da sua «pobra» que, nascida no longínquo tempo dos romanos, se tornou no grande centro urbano que é nos nossos dias a linda vila da Póvoa de Varzim.

O pescador da Póvoa de Varzim nasce à beira do mar, vive do mar e para o mar, e, quantas vezes, morre no mar.

À ida ou no regresso das suas pescas, na praia ou taberna, lugares onde, tirando a ocasião do descanso e a demora da refeição, ele passa todo o seu tempo, só o mar é assunto das suas conversas!

O mar domina-o, enleva-o!

Dos percalços e aflições que os seus pais passaram no mar, não se lembra nem se quer recordar. Para quê?

Ele pensa só que tem de arriscar a vida em busca do pão de seus filhos, e isso lhe basta para levar a vida, que foi a vida de todos os seus.

E assim, onde estiver um barco e uma rede, ele lá está, cheio de fé e de esperança no seu árduo trabalho.

A vida é para ele um fardo pesado e duro pelos riscos e perigos que corre, pelas vicissitudes de todos os dias? Que importa? Resigna-se, trabalha e esquece.

Ele veio a este mundo para fazer o mesmo que fizeram seus pais!

É na intimidade com o mar, ora no convívio amigo e calmo, ora em luta renhida entre a fraqueza e a força, a pequenez e a imensidade, que ele passa os seus dias.

Daí o carácter melancólico e sonhador, tímido e ousado ao mesmo tempo, a alma simples e bondosa, de fé enternecedora, que encontramos no pescador varzino.

Quantas vezes o vimos nos fieiros da praia ou sentados à proa da sua embarcação encalhada nas areias, a contemplar o mar, através do qual perpassam, ora as agruras tristes do passado, ora as esperanças e os receios do futuro!

Porque a solidão do mar, a bonança ou a tempestade sobre as ondas põem em imediata e fácil comunicação os espíritos crassos com a grandeza e o poder de Deus, o pescador da linda Póvoa de Varzim é um crente sincero.

Com a mais devotada fé, conserva com convicção o mais arreigado espírito religioso, que o auxilia na resignação das agruras da vida.”

Pelo Comandante A. Coutinho Lanhoso

Fonte: Guia oficial do I Congresso de Etnografia e Folclore – Braga e Viana do Castelo – 22 a 25 de Junho de 1956 (texto editado e adaptado) | Imagem: “Arribação de um barco para o areal” – cliché do sr. Avelino Barros (“Ilustração Portuguesa” nº194 – 1909)