O jornaleiro minhoto | Usos e costumes do Minho
O jornaleiro minhoto
Ao cantar do galo, que é bom madrugador, debaixo de chuva impertinente ou neve de palmo, os humildes jornaleiros abalam pressurosos para a labuta quotidiana.
Por tortuosos atalhos e múltiplas veredas lá vão em alvoroço tratar da vida, que a morte é certa, inúmeros ranchos de homens e mulheres.
Há-as de ventre cheio, coitadinhas, sabe Deus para cada hora, que mais vagarosas, aos poucos, acompanham, na cauda, o movimentado cortejo do povoléu rural trabalhador.
Flutua no espaço incomensurável o bulhar nervoso de pesados socos.
Ao alto, num gesto de soberania apoteótica, a enxada de gume reluzente, afiada há instantes, inseparável companheira de infortúnio, sempre pronta, a boa amiga, à primeira voz, a lidar.
Afaga-lhes as avantajadas costas, duma rigidez de aço, que é de pasmar, o coçado saquitel de frágil chita, aos quadradinhos, berrante, de ramagens multicores.
É a frugal provisão de boca para todo o santo dia: o duro naco de broa de milho, meia dúzia de maçãs, duas ou três sardinhas salgadas, já é nestes tempos que correm de erguer as mãos ao céu de contentamento.
Vozes claras, aveludadas, doces como favos de mel perdem-se aqui; além, na amplitude imensa da paisagem campesina
Quem canta seu mal espanta.
Dedos calosos de trabalho rude moirejam de sol nado à hora mística da Santíssima Trindade na faina incansável de lançar à terra criadora a semente milagrosa.
Na próxima colheita,- que de esperanças! – se o ano não for escasso e o Senhor quiser transformar-se-ão veigas enormes em messas ondulantes de bagos doirados.
Pletórico S. Miguel para os que têm que perder, os eleitos da ventura, e abençoada alegria para os muitos párias que pululam por esse vasto mundo de Cristo aos baldões da má sorte.
Espera à noitinha aos pobres trabalhadores do campo, quando de regresso à humilde choupana, um magro caldo com um ligeiro fio de azeite aflorando à superfície da pitoresca malga de caldo escuro.
Aufere um jornaleiro dos bons, criatura cuidadosa e diligente, uma triste, ridícula, inacreditável bagatela: quando muito a irrisória quantia duma coroa a seco e qualquer coisa como a insignificância de quinze míseros vinténs a de comer.
«O jornal mal nos dá p’ró caldo». É a frase dolorosa que circula, a miúdo, como um grito enérgico de revolta, na boca amarrotada de fome do sacrificado cavador minhoto.
Domingos Ferreira.
(Clichés de A. Soucasaux)
“Ilustração Portuguesa”, nº733. 8 de Março de 1920