O fumeiro do Parque Natural do Alvão
O fumeiro do Parque Natural do Alvão
“Não há nada como ter fumeiro de um requito caseiro. Chega alguém, parte-se um salpicão e umas fatias de presunto.
Pelas festas, ou quando se tem pessoal, põe-se uma moira à panela da sopa, faz-se um cozido com os enchidos e com um cibo de presunto e é uma fartura…”
É vulgar falarem-nos desta forma, pois, de facto, esta actividade ainda tem alguma expressão no espaço de implantação desta área protegida.
Tudo começa com a matança do porco por finais de Dezembro.
Esta época não é escolhida por acaso, mas decorre da convergência de vários factores:
– culminar da época farta propícia à engorda;
– existência do período de frio mais intenso conservador da carne e condicionador de bolores e de diversos parasitas;
– ocorrência do período festivo – Natal e Fim de Ano.
Outrora, como a oferta de carne fresca no mercado era escassa, principalmente nas pequenas localidades a criação e/ou engorda de um ou mais porcos proporcionava melhorar as refeições do dia do desmanche com a saborosa carne fresca.
Deliciando-se desta forma de tão cansados que estavam de a consumir salgada durante todo o ano.
Assim, alguma carne gorda e a mais suscetível de se deteriorar (sangue e partes moles) era, e ainda é, consumida aquando do desmanche.
A conservação tradicional das carnes
Mas o problema da conservação da carne para consumo ao longo do ano foi solucionado pelo processo corrente da salga e do fumo.
Hoje, não tanto pela necessidade, mas mais pela tradição, é conservada pela acção do fumo.
De referir que actualmente poucos “fazem a salga” e os de maiores posses congelam nas arcas quase toda a carne.
Assim, esta prática, iniciada com a preparação das tripas, é seguida do colocar das carnes na tradicional “vinha d’alhos” e a variedade de enchidos sucede-se consoante as carnes escolhidas, os ingredientes adicionados e os processos utilizados.
Lendas da Serra do Alvão
Com as melhores cames – os lombos ou “assaduras” fazem-se enchidos nobres – os salpicões.
As linguiças são fabricadas com pequenos pedaços de carne, principalmente sobejos das assaduras.
As carnes das “bandas“, das “pás” e do “espinhaço” são utilizadas para os chouriços e moiras.
De notar que estes enchidos contêm carne, que após ter estado em “vinha d’alhos“, foi cozida, ao passo que a carne dos salpicões e das linguiças apenas esteve em “vinha d’alhos“.
Em algumas localidades, além destes enchidos, faz-se um outro – a “tabafeira” – em que é aproveitada a cabeça após ter estado em “vinha d’alhos“.
A massa de as encher, enriquecida com a calda do cozimento dos ossos do espinhaço, é engrossada com o saboroso “pão de cantos de Amarante“.
Todos estes enchidos são colocados por sobre a fogueira para se proceder à conserva pelo fumo.
E em algumas povoações a primeira fogueira é exclusivamente composta por loureiro.
Quanto aos presuntos, também são “postos ao fumeiro” após terem saído da salga.
Esta forma de proceder é muito recente, pois outrora eram conservados exclusivamente pelo sal, e todas as vezes que deles se retirava uma porção, voltavam à caixa do sal onde eram colocados sobre pequenas varas.
De facto, esta actividade ainda tem alguma expressão no espaço de implantação desta área protegida.
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O porco ou reco!
Desde a engorda do porco – o “reco” – à matança e desmanche, passando pela confecção dos enchidos e o secar do fumeiro, constitui-se todo um ciclo de práticas tradicionais impregnadas, ainda de sabor ritual.
Este é de tal modo arreigado nos mais entrados de idade, que lhes é difícil abandoná-lo e para os mais novos, incita-os à imitação.
É tão importante esta prática que apesar da grande oferta, nomeadamente carne fresca e fumeiro industrial, e embora algumas famílias não tenham condições para criar um porco, acabam por comprá-lo ou aos vizinhos ou mesmo no talho.
Assim, dão continuidade a esta prática que confere colorido, satisfação e segurança ao todo das suas vidas cadenciadas de gentes ligadas à Natureza.
O revitalizar destas práticas tradicionais faz parte de um conjunto de acções, iniciadas pelo Parque Natural do Alvão, tendentes a prestigiarem as tradições populares e a contribuírem como complemento económico das actividades agropastoris.
Maria Luísa Carapucinha S. Moura
Fonte: Desdobrável editado pelo Parque Natural do Alvão (texto editado e adaptado)