Lendas

“Na fuga para o Egito” – Lendas da Beira

Na fuga para o Egito

O Evangelho segundo São Mateus descreve a fuga da Sagrada Família, de Belém para o Egito, para fugirem a Herodes, rei dos Judeus, que queria matar o Menino:

«Depois de [os Magos] partirem, o anjo do Senhor apareceu em sonhos a José e disse-lhe: «Levanta-te, toma o menino e sua mãe, foge para o Egito e fica lá até que eu te avise, pois Herodes procurará o menino para o matar.»

E ele levantou-se de noite, tomou o menino e sua mãe e partiu para o Egito, permanecendo ali até à morte de Herodes. Assim se cumpriu o que o Senhor anunciou pelo profeta: Do Egito chamei o meu filho.» (Mt. 2, 13-15)

No nosso país, um pouco por todo o lado, existem lendas relacionadas com episódios que teriam acontecido durante a fuga para o Egito da Sagrada Família.

Transcrevemos quatro que se contam na região da Beira.

A maldição dos tremoços

Desenrolava-se na Judeia o grande drama que a humanidade há dois mil anos vem comemorando em grandes e imortais solenidades como as do Natal, Ressurreição, etc.

Nossa Senhora e São José fugiam para o Egito no intuito de salvarem a vida de Jesus Cristo.

Em certa altura da extensa jornada chegou a seus ouvidos um som prolongado, arrastado, como de plantas secas que estão sendo pisadas.

Perscrutando, olhando o caminho e os campos, receosos e tímidos, suspenderam a marcha e perguntaram-se mutuamente:

Alguém que nos persegue e se aproxima por entre as searas?

Procuravam motivo plausível para o estranho ruído quando este se repetiu, e puderam então constatar que ele tinha origem num tremoçal já seco quando agitado pelo vento.

Nossa Senhora, mal refeita do susto, exclamou: «Eu vos amaldiçoo, tremoços, para que jamais farteis quem quer que vos coma.»

E desde então, assim o afirmam os povos de Segura e do Ladoeiro, os tremoços deixaram de matar a fome a quem os come. (*)

 

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A condenação do noitibó

Na mesma histórica jornada acompanhou durante muito tempo os santos Viajantes uma ave de aspeto triste e canto lúgubre, que ia voando, voando, e dizendo e repetindo: «cá vai», «cá vai», «cá vai».

E no abominável papel de denunciante, ia indicando a marcha da Sagrada Família.

Depois de a ter ouvido, compreendido e observado por algum tempo, a Virgem Maria disse
«Eu te condeno, vil e abominável ser, a não mais poderes ver a luz do sol, a levares vida solitária e triste pelas sombras, a só voares junto ao chão e a não mais cruzares o azul dos céus

E desde então o noitibó não mais pôde suportar a luz do sol para só sair do seu esconderijo à hora do crepúsculo, como não mais entrou no convívio das aves, só voando junto ao chão.

Pitinhas de Nossa Senhora

Ainda na fuga para o Egito, a pequena distância de Nossa Senhora e de São José, seguia uma modesta, mas interessante avezinha.Na cabeça uma poupa ou coroa, no seu todo de simplicidade qualquer coisa de insinuante e de bom.São José, tocando a burrinha, caminhava acabrunhado e sempre receoso que os perseguidores de Jesus Cristo, guiados pelos rastos que no caminho ele e a burrinha iam vincando, pudessem vir a prendê-lo.A modesta e simpática avezinha, que vinha atrás e jamais deixou de os seguir, ia remexendo com o bico e com os pés todos os sinais que no caminho ficavam, e ia dizendo: «não o vi», «não o vi», não o vi» (1), respondendo e contradizendo o canto do noitibó, acrescentava: «mentira», «mentira», «mentira».E os fariseus que no encalço vinham, não puderam, pelos sinais do caminho, descortinar a marcha da Sagrada Família.Por isso, ainda hoje o povo de Idanha-a-Nova não só não mata as cotovias como lhes chama, com muito carinho, «pitinhas de Nossa Senhora».

 

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A excomunhão das penas da perdiz

Pela mesma ocasião, em outro lugar da jornada, estava escondida, próximo do caminho, uma perdiz que, com o seu voo estridente e rápido, fez estremecer os Santos viajantes e espantou a burrinha.

Nossa Senhora resolveu lançar-lhe a excomunhão, mas o Menino Jesus, intervindo, pediu que o castigo ficasse circunscrito as penas, visto elas haverem produzido o ruído, e que a carne continuasse a servir de alimento ao homem.

E de facto assim foi; e por isso, desde então, afirmam-no os povos do Ladoeiro e de Segura, as penas da perdiz são feias, tristes e sem a fragrância e a beleza das da generalidade das aves.

(1) No Ladoeiro atribui-se o mesmo facto à codorniz

In “Etnografia da Beira”, Jaime Lopes Dias

(*) O tremoço

O tremoço, tal como o grão, o feijão, a ervilha ou a lentilha, é uma leguminosa, pelo que é uma fonte de proteína de origem vegetal. Tem origem numa planta chamada “tremoceiro”, do género Lupinus, sendo o tremoço a semente do seu fruto.

O tremoço é considerado um aperitivo de alta qualidade, sendo apreciado desde os tempos  do Império Romano.

Conheça 10 benefícios do tremoço para a saúde humana:

– Regula o funcionamento do intestino

– Ajuda a controlar o peso

– Auxilia no controle do nível de glicose

– Reduz o colesterol “ruim”

– Favorece o ganho de massa muscular

– Combate o envelhecimento precoce

– Reduz o risco de câncer

– Protege o coração

– Age contra a osteoporose

– Dá mais energia