Literatura Popular – recolha, preservação e estudo
A necessidade de recolha, preservação e estudo da Literatura Popular
Desde há muitos anos que a Humanidade apresenta expressões culturais, tais como a música, a dança, a poesia, o teatro, o artesanato, entre outras, que constituem a parte íntima do ser humano.
Neste pequeno trabalho, o Museu Etnográfico da Região do Vouga procura alertar para as necessidades da recolha, preservação e estudo da literatura popular, sendo esta uma fonte riquíssima de informação para todos aqueles que estudam a vida quotidiana de um povo.
Se tivermos em linha de conta o que de precioso já se perdeu, e o que ainda corre o risco de se perder, impõe-se-nos um derradeiro esforço no sentido de registar e salvaguardar o que nos resta.
A esta parte, a literatura popular de feição oral deve merecer a nossa melhor atenção, por constituir um património riquíssimo, e permitir um estudo rodeado do maior interesse.
Tomamos a literatura popular por aquela que corre entre o povo, a que ele entende, de que gosta, tanto escrita como a que na memória guarda e transmite oralmente.
Como em tantos outros aspectos de ordem folclórica e etnográfica, também a de origem erudita o influenciou até ao ponto de por ele ter sido adoptada e mais divulgada.
Porém, é confrangedor sabermos que, salvo raras excepções, o mesmo não aconteceu da parte erudita, muitas vezes a receber a mesma influência mas a ocultá-la, pior do que isso, porquanto foi manifesto o pouco apreço em que por esta classe foi tida a cultura popular.
Recolher e estudar as tradições populares
Das excepções referidas, merece destaque a geração romântica com especial relevo para o fundador deste movimento, Almeida Garrett (1799-1854), o primeiro a recolher e a estudar as tradições populares e ainda os seus contemporâneos, João Pedro Ribeiro e Alexandre Herculano e, já no primeiro quartel do século XX, entre outros, Teófilo Braga, Adolfo Coelho e José Leite de Vasconcelos.
Pouco ou nenhum interesse tem merecido aos letrados a arte do povo. Penaliza-nos o facto de sabermos da natureza da classificação que por estes é atribuída a tudo quanto do mesmo vem, tido como baixo, rude e analfabeto.
É notório que, com o aparecimento da imprensa, mais propriamente a seguir ao Renascimento, surge um mais acentuado aristocracismo literário, a originar uma manifesta divisão de classes e a prejudicar, ou mesmo a marginalizar, a verdadeira cultura popular.
Ontem, como hoje, continuamos a não compreender por que razão não são ministradas nos nossos estabelecimentos de ensino as cadeiras de folclore e de etnografia, para o que, antecipadamente, seria necessário formar pessoas capazes de estudarem, compreenderem e transmitirem aos vindouros tão importante parcela da nossa cultura básica.
Quando nos referimos à cultura básica de um país, nunca entendemos isto de cultura popular e cultura erudita. Ambas se encontram interligadas, uma é consequência da outra e vice-versa. Logo, existe uma única cultura.
Os povos não são superiores uns aos outros por uma questão das suas aptidões mentais, muito embora cada grupo social tenha a sua cultura, que não é possível medir em termos de valor, mas é fácil de explicar tendo em conta os condicionalismos sócio-económicos e históricos em que viveram e se formaram.
Cada um desses grupos, alfabetados ou não, vê o mundo à sua maneira e, se o homem é universalmente idêntico, poderá somente ter de diferente a promoção recebida com os recursos que, para esse fim, reuniu.
Arte cultivada e arte não cultivada
Para o estudioso interessado, o fenómeno existe a partir do momento em que possa ser analisada uma arte cultivada e não cultivada.
A não cultivada diz-nos de registo e admiração que, a terem motivo de evolução e aperfeiçoamento escolar, produziram um efeito por vezes bem superior ao daqueles que tiverem a felicidade de encontrarem o ensino na idade própria.
Por isso mesmo, reputamos a literatura popular de primordial importância, urge por tal motivo fazer a sua recolha e necessário estudo.
Como já o dissemos, uma parte importante dessa riqueza corre o risco de se perder ou descaracterizar, motivo porque, em termos de tempo, a sua recolha e preservação terá se ser feita urgentemente.
Temos a necessidade de acompanhar as noções culturais nesta actividade científica e, por isso mesmo, tudo a esta parte deve merecer a nossa atenção e estudo.
A literatura popular, no aspecto da sua feição oral, encontra-se na aldeia, no campo e também na cidade. Isto se tivermos em linha de conta que ela não é privativa das classes ditas populares para se tornar extensiva a outras.
Registe-se o facto da vivência comum, logo e pelo que atrás já referimos, muito embora existam consideráveis e progressivas diferenciações sócio-económicas que nos dividem, não impediram o termos ouvido, aprendido, dado e recebido. Com isso queremos dizer que, a esta parte, não seja mais rica a aldeia do que a cidade, só que uma e outra devem merecer uma análise profunda e estudo próprio.
Recordamos a propósito o que antecipadamente foi dito como medida de um melhor e mais aproximado estudo etnográfico e que fica baseado no facto de na cidade de ter comido com um garfo de prata e na aldeia com um garfo de ferro.
Museu Etnográfico da Região do Vouga
Fernando Gonçalves