Usos, costumes e tradições

Lavadeira – profissões antigas que já não existem

Lavadeira

é (era!) a mulher que lava a roupa caseira, sua ou alheia, em tanques, poços, rios, lavadouros1.

No princípio do século XX, eram muito frequentes as lavadeiras, que vinham a Lisboa buscar e trazer a roupa às freguesas; eram geralmente de Caneças e Loures e andavam com grandes trouxas à cabeça, tratavam-nas por saloias e vinham em grandes galeras, por exemplo, até à Estalagem dos Camilos, na Rua do Amparo. Daí seguiam a pé para as diferentes casas. (*)

A roupa distinguia-se por marcas que cada possuidora lhe punha ou as iniciais ou pequenas estrelas, flores, ilhós, bolas a cheio, etc.

A roupa pode ser lavada sem barrela e com barrela.

No primeiro caso, procede-se da seguinte forma: leva-se para o lavadouro, que é uma laje inclinada, e aí se ensaboa e se esfrega com os punhos fechados.

Vai seguidamente para a cora (leia-se córa), estendendo-se no chão, com o sabão e ainda molhada (na areia ou num erbaço), durante dois dias.

Torna ao lavadouro, tira-se-lhe o sabão e enxagua-se. Seca-se em cordas, arames, etc.

Depois de seca, palmeja-se (dobra-se e espalma-se com as mãos) ou passa-se a ferro. E fica pronta para se vestir.

Para lavar a roupa com barrela, procede-se como anteriormente até à cora; depois de corada, acama-se toda, conservando o sabão que traz da cora, num caixote ou numa canastra.

Põe-se-lhe por cima o barrelote (algures) ou barreleiro (Nelas), que é um pano forte (de estopa, geralmente), com cinza dentro, peneirada (para não levar carvões, etc.), à qual se mistura mentrasto, ou loureiro, ou folha de laranjeira, ou tudo junto.

Deita-se-lhe água a ferver, de modo que saia quente pelo fundo da vasilha em que está (a primeira que sai ainda é fria).

Se a roupa é muita, tem de deitar-se muita água fervente. Assim fica uma noite.

De manhã, vai-se tirando a roupa, que ainda está morna, chega-se-lhe sabão e esfrega-se no lavadouro.

Põe-se novamente a corar. No fim de corada, lava-se suavemente, enxagua-se e torce-se no ar, com as duas mãos, sendo peças grandes, são precisas duas pessoas, uma de cada lado.

Põe-se a secar e passa-se a ferro.

Lavadeiras no rio Mondego (aguarela de Roque Gameiro)

A literatura ocupou-se das lavadeiras, citando-se, ao acaso, Júlio Dinis nas Pupilas do Senhor Reitor e João de Deus na poesia «Boas-Noites» (Campo de Flores).

A poesia popular também lhes dedica muitas composições:

O pedreiro cheira a pedra,
O carpinteiro à madeira;
Cada qual tem seu ofício.
Eu também sou lavadeira.

Eu também sou lavadeira
Lavo no rio Jordão:
Lavo saias e saiotes,
Também lavo o meu balão. 2

(Ucanha)

Lavadeira, lava a roupa,
Lava a roupa bem lavada; 3
O sabão, que lava a roupa
Vai-se buscar a Lousada.

(Grilo – Baião)

Lavadeira, lava a roupa,
Lava a roupa, deixa-a bem,
Lava a roupa, lavadeira,
O sabão quem quer o tem

(Mesão Frio).

Maria, minha Maria,
Meu alguidar de meadas:
Elas são tuas e minhas,
Vamos ao rio lavá-las.

A roupa do meu amor
Não é lavada no rio,
E lavada no mar alto,
Na corrente do navio. 4

 

Lavadeira - profissões antigas que já não existem
Lavadeiras no rio Mira – Odemira

(Baião)

Não é lavada no rio
A roupa do meu amor,
E lavada no mar largo,
A sombrinha do vapor.

(Vilar Seco e Nelas).

Tanto te quero, menina, 5
Com’a cinza da barrela;
Boto-a pela água abaixo,
Não faço mais caso dela.

(Barroso)

O meu lencinho da mão
Inda não foi a barrela:
Saudades hei-d’eu levar
Quando m’eu for desta terra.

Quando m’eu for desta terra
Saudades hei-de eu levar:
Só a ti, ó meu amor
Não te posso cá deixar.

(Vilar Seco – Nelas)

A Lavadeiras - As Pupilas do Senhor Reitor (aguarela de Roque Gameiro)
Lavadeiras – As Pupilas do Senhor Reitor (aguarela de Roque Gameiro)

1 A. Pimentel, As Alegres Canções do Norte, pp. 131-132.

(*) Nota da Equipa: Este assunto foi retratado no famoso filme português “Aldeia da Roupa Branca”, de Chianca Garcia, com a actriz Beatriz Costa (1938). Saber+

2 Variante:
Lavo saias de entremeios,
Também lavo o teu calção.
(Amarante)

3 Variante:
Lavadeira, lava a roupa,
Lavadeira, lava-a bem;
O sabão, que lava a roupa,
Vai-se buscar a Belém.
(Mosteirô)

4 Variante:
A sombrinha do navio.
(Vilar Seco e Nelas).

5 Variante:
Eu quero-te tanto bem
Com’a cinza da barrela;
Que a arrumo para um canto,
Não quero saber mais dela
(Baião)

Texto: “Etnografia Portuguesa”, Dr. José Leite de Vasconcelos | Arcos de Valdevez – Um grupo de lavadeiras no rio Vez (Fot. Manuel da Silva Isidoro)

Ver imagens das Lavadeiras no Rio Corgo (Vila Real).