Larmanjat e outros transportes no Termo

Larmanjat e outros transportes no Termo

O projecto literário que encetei no início de 1990 sobre a Cultura Saloia do Termo de Lisboa, o qual ainda aguarda edição pela Entidade Autárquica Odivelense ou Lourense (das duas, uma… que ambas foram contactadas há muito, e de ambas ainda aguardo resposta), levou-me a inscrever no mesmo e publicar modestamente às minhas próprias custas em edição limitada mas ainda assim muito divulgada, este estudo datado de 1994, com o título original de Transportes saloios no século XIX.

Com efeito, ainda nos inícios do século XX rareava o transporte regular de pessoas do Termo para a capital, e vice-versa.

Diligência e mala-posta

Havia a diligência, antigo meio de transporte do colectivo, puxada por fogosos cavalos, vinda de Torres Vedras, atravessando Loures e procedendo à muda de equídeos na estação da Malaposta, junto ao Olival Basto, antes de seguir para a estação central na Calçada do Combro, junto ao Correio Geral, conforme informa Maria Amélia da Motta Capitão in Subsídios para a História dos Transportes Terrestres em Lisboa no Século XIX, Lisboa, 1974.

O serviço de mala-posta, inaugurado em 17.9.1798, desapareceu por completo no primeiro quartel do século XX, tendo sido o principal meio de comunicação e distribuição de correio na Estremadura.

Além do correio, a diligência podia levar quatro passageiros, ao preço de 9.600 réis por pessoa, e mais 320 de gorjeta para o cocheiro e os sotas (isto cerca de 1802).

Serviço executado duas vezes por semana, o horário coadunava-se com o aproveitamento da melhor temperatura do dia, no Inverno, sendo a partida às 5 horas; no Verão, às 17 horas (in Maria Amélia Capitão, ob. cit.).

O omnibus – carreiras públicas

A par da mala-posta, criada para longos cursos, havia as carruagens públicas, ou omnibus (do latim omnes = todas as pessoas, toda a gente), fazendo pequenas carreiras em Lisboa e também ligando esta aos lugares mais próximos no Termo: Oeiras, Cascais, Sintra, Mafra e Loures.

A Companhia de Carruagens Omnibus de Lisboa foi constituída com estatutos aprovados em Abril de 1836 (ou em 29.4.1837), tendo as carreiras começado com dez carros, em 1835.

O omnibus era um carro pesado e barulhento de grandes dimensões, com quatro rodas, cinco janelas de cada lado, porta na retaguarda, estribo para os passageiros subirem, etc. Podia transportar quinze pessoas.

Era puxado por duas parelhas de cavalos ou de muares, indo um sota na parelha da frente e o cocheiro sentado no tejadilho, com as rédeas bem seguras.

A aparição da concorrência de outras companhias de carruagens, ditou o declínio desta primeira empresa de omnibus (nome que se popularizou no Brasil sob o designativo ónibus, que entre nós, portugueses, é o autocarro) por volta de 1868, o qual já começara em 24.2.1865, quando um violento incêndio nas suas cocheiras matara mais de metade dos cinquenta cavalos (in Vasco Callixto, As Rodas da Capital – História dos Meios de Transporte da Cidade de Lisboa, Junta Distrital de Lisboa, 1967).

O larmanjat: comboio de tracção mecânica

Em 1870, o lisboeta e o saloio conheceram um “exótico” comboio de tracção mecânica: o larmanjat (nome herdado do francês seu criador, J. Larmanjat).

Este comboio deslizava sobre um carril central e duas “passadeiras” de madeira, para as rodas laterais. Em 31.1.1870 foi inaugurado este sistema em Lisboa, no trajecto Largo de Santa Bárbara – Alameda do Lumiar, gastando cerca de uma hora na viagem de ida e volta. A estação central ficava no Palácio dos Condes de S. Miguel, na Rua de Arroios.

O larmanjat foi mal aceite por utentes e não utentes, cocheiros e carroceiros, poetas e toda a imprensa, ridicularizaram-no, chamaram-lhe “comboio de areia”, “demónio negro”, etc. Houve mesmo espancamento de maquinistas e actos de sabotagem.

Para revigorar este sistema foi fundada uma empresa inglesa, que recebeu as concessões da anterior: a Companhia dos Tramways a Vapor, com escritórios em S. Sebastião da Pedreira e estação central nas Portas do Rego, de onde partiam duas novas linhas:

– a de Sintra, inaugurada em 2 de Julho (ou Junho) de 1873, sendo aberta ao público no dia 5. Gastava 1 hora e 55 minutos na viagem;

– e a de Torres Vedras, cujo serviço começou em 6.9.1873, levando cerca de 5 horas por viagem.

Houve muito entusiasmo das populações que vitoriaram o rei D. Luís, a soberana inglesa, o marechal Saldanha, etc., quando se mostraram viajando neste comboio, num acto político público visando demonstrar que este era um meio de transporte seguro, o que não convenceu praticamente ninguém, e foram aclamados só pela sua grande coragem, ousadia ou loucura em viajar no “comboio da morte”, fama de que nunca se livrou enquanto existiu.

Sugestão de leitura

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Crenças sobrenaturais saloias

Com efeito, o larmanjat teve vida curta por causa dos frequentes descarrilamentos, dos tombos dos passageiros, das avarias, da muita poeirada, dos grandes atrasos e, em especial, da má administração da empresa.

Apesar de terem sido organizados serviços especiais para as feiras do Campo Grande e das Mercês, o larmanjat acabou de vez em 1877 (in Francisco Santana e Eduardo Sucena, Dicionário da História de Lisboa, Lisboa, 1994).