Instrumentos musicais tradicionais em Portugal
Introdução
Margot Dias, etnomusicóloga de origem alemã, casada com o antropólogo António Jorge Dias (ambos já falecidos), escreveu que
“Em todos os tempos e em todos lugares o homem sempre mostrou grande engenhosidade ao fazer nascer o som e a música a partir de materiais existentes no seu ambiente natural. (…)
A voz e o bater das palmas podem certamente considerar-se as primeiras formas instrumentais usadas pelo homem, desde os tempos mais remotos, e que se encontram em muitas sociedades.
Além dessas formas naturais, porém, desenvolveram-se através dos milénios instrumentos musicais mais ou menos bem elaborados, com os materiais que o ambiente natural fornece, e conforme a evolução técnica dos diferentes povos.
As influências de outras culturas são aproveitadas e os instrumentos difundidos sofrem transformações dependentes das possibilidades e condições locais (…)“.
A opinião de Ernesto Veiga de Oliveira
Ao mesmo tempo, Ernesto Veiga de Oliveira, a propósito de alguns dos “últimos” tocadores de instrumentos musicais tradicionais, perguntava:
“(…) Quem tocará ainda a bandurra beiroa e a viola campaniça, desaparecidos o tio Manuel Moreira, de Penha Garcia, e o Jorge Caranova de Santa Vitória?… E quando se for o Virgílio Cristal, quem ficará para tocar o deslumbrante tamboril e flauta em terras mirandesas?… É bom, é mau?
É a lei dos tempos para lá do bom e do mau… e quando as alvíssaras da Páscoa ou as alvoradas dessas bárbaras festas transmontanas forem feitas por um altifalante instalado numa furgoneta que atroa os ares com a última canção duma vedeta da rádio, o mundo terá certamente perdido uma grande riqueza – ou melhor: a riqueza do mundo valerá muito menos a pena ser vivida.“
Os primeiros instrumentos musicais?
Uma cana de bambu, uma pele ou uma corda esticada, criaram os primeiros instrumentos musicais.
O seu uso teve um papel de tal maneira importante na história das civilizações que a sua invenção tem sido, em várias culturas atribuída aos deuses.
Objetos de mitos e também de rituais, o seu som representa a voz dos antepassados.
Mas é também através deles que os homens encontram um meio de mostrar a sua alegria e a sua tristeza, o seu amor e o seu ódio.
Eles são testemunhos não só de usos e crenças e dos símbolos aos quais estão associados, mas também dos feitos históricos, dos universos culturais e das invenções tecnológicas.
Alessandro Sistri
E como objetos de arte, da época e do meio social onde são produzidos.
Por isso, conhecermos de perto estes objetos é conhecermos também um pouco a história do nosso povo, das regiões onde habita, dos seus hábitos de festa, de religião, de trabalho, da diversidade das suas formas culturais e artísticas já que os instrumentos musicais são, como nos diz Alessandro Sistri:
“(…) Documentos complexos que nos ajudam a conhecer diferentes aspetos da cultura a que pertencem, por serem objetos síntese do sistema expressivo sonoro-musical e do sistema simbólico-material, em que as funções sonora, simbólica e estética interagem e as componentes decorativas, iconográficas e plásticas dão sentido mágico ao instrumento (…)”
Portugal forma-se como nação num território culturalmente abrangido pela Península Ibérica.
Península Ibérica
A este espaço confluem vários povos e culturas que até ao séc. XVI se vão influenciar mutuamente, conservando particularidades que lhe são próprias e criando por isso aspetos muito ricos, nomeadamente no campo da música e dos instrumentos musicais.
Neste aspeto, tem particular importância a ocupação árabe.
Os seus músicos alcançaram grande prestígio e alguns dos seus instrumentos foram rapidamente copiados e utilizados pelos músicos cristãos. Alguns deles chegam até aos nossos dias mantendo o nome árabe como por exemplo o adufe.
Os materiais usados na feitura dos instrumentos são também reveladores das atividades quotidianas dos seus proprietários.
Instrumentos feitos com peles de animais como por exemplo a gaita-de-foles, o adufe e a sarronca são de carácter pastoril aparecendo por isso nas regiões do país onde essa atividade é predominante.
Distribuição Regional
Não há dúvida de que a caracterização geográfica do País está intimamente ligada à distribuição das formas instrumentais.
Ou será ao contrário?
Ernesto Veiga de Oliveira apoia-se na divisão que Orlando Ribeiro faz em Portugal: Atlântico, Transmontano e Mediterrâneo.
” (…) Sob o ponto de vista paisagístico e cultural especial e muito geral, distinguiremos em Portugal, ao norte do Tejo duas áreas fundamentais por um lado, as terras do planalto alto e leste transmontano e beirão, marcadamente arcaizantes e pastoris, fechadas em si mesmas até épocas muito próximas, na vastidão de um horizonte severo e áspero, e onde formas de vida extremamente antigas eram (e são ainda em muitos casos) a atmosfera quotidiana;
por outro lado, as terras baixas a ocidente da barreira central, do Minho ao Tejo, populosas, conviventes, intensamente humanizadas, abertas a todas as influências e naturalmente impelidas para fórmulas mais progressivas, embora imersas ainda em inúmeros sectores culturais, no seu ambiente tradicional.
O Alentejo, sob certos aspetos, prolonga a sul, o panorama pastoril do planalto; a cultura regional reflete uma personalidade original muito forte, e é também acentuadamente tradicional, mas a marca do espaço é ali mais sensível do que a do tempo.
E no Algarve, por seu turno, inversamente, condições paralelas às que apontamos nessas regiões nortenhas ocidentais estão na base de um ambiente que sob certos aspetos, se assemelha ao dessas terras...”
Minho
No Minho os instrumentos mais importantes são os conjuntos instrumentais das Rusgas, da Chula, e também dos Zés-Pereiras.
Trás-os-Montes
Em Trás-os-Montes, além dos conjuntos instrumentais do Gaiteiro e Tamborileiro.
Tem também importância o Pandeiro, membranofone de forma quadrangular, geralmente tocado pelas mulheres a acompanhar todo o género de cantares de festa.
Beira Litoral
Também nesta região, além do conjunto instrumental dos Zés-Pereiras e do Fado (de Coimbra), teve particular importância a Viola Toeira, nomeadamente na região de Coimbra, onde hoje infelizmente já não existe nenhum tocador.
Beiras Interiores (Beira Alta e Beira Baixa)
Sobretudo na Beira-Baixa, o Adufe é o instrumento mais importante da região.
Ele é aí tocado com grande maestria, imaginação e paixão, tanto em festas profanas como religiosas, alvíssaras da Páscoa e Romarias.
A Flauta Travessa e a Palheta são passatempo individual de pastores.
Na região do Fundão tem grande importância os Bombos.
A Viola Beiroa, além das funções de passatempo, era também um instrumento cerimonial usado na Dança da Genebres e outras que tinham lugar na festa da Senhora dos Altos Céus, na Lousã, e nas Folias do Espírito Santo, de grande importância nesta região.
Estremadura
Na Estremadura, o Acordeão, se bem que seja um instrumento muito difundido por todo o país, tem um lugar muito especial nos bailes acompanhando o fandango, o passecate, o verde gaio, a contradança, etc.
Também a Gaita-de-foles é um elemento imprescindível dos Círios da região.
Em Lisboa tem grande destaque a Guitarra Portuguesa e o Violão, por vezes acompanhado pelo Violão Baixo, no conjunto do Fado (de Lisboa).
Alentejo
No Alentejo existem três formas instrumentais: Tamboril e Flauta na região além Guadiana.
O Pandeiro quadrangular e a Pandeireta, mais a norte da província.
Mais a sul, a Viola Campaniça como instrumento acompanhador do canto e animador dos bailes da região.
Algarve
No Algarve além dos instrumentos de tuna e do Acordeão, na região da serra encontra-se com frequência a Flauta Travessa, feita de cana.
Açores
Os instrumentos mais importantes das ilhas dos Açores são as violas com dois tipos distintos:
– a Viola Micaelense, com a boca em forma de dois corações,
– e a Viola Terceirense, com a boca redonda.
Ambas se usam em ocasiões festivas a solo ou a acompanhar o canto e a dança, nas romarias, aos serões.
Também nas festas do Espírito Santo, de grande importância em todas as ilhas, os Foliões, grupos de tocadores que acompanham os vários momentos da festa e tocam o Tambor da Folia, juntamente com o Pandeiro, fuste de pandeireta sem pele, na ilha de S. Miguel.
Nas ilhas de S. Maria, Flores e Corvo o acompanhamento do tambor é feito com os Testos, pequenos pratos metálicos que se batem um contra o outro.
Madeira
Na Madeira têm grande importância os conjuntos formados pelos instrumentos de corda:
– a Viola de Arame,
– o Rajão,
– a Braguinha
– e a Rabeca ou Violino, que acompanham os cantadores e a dança nas festas públicas que se realizam na ilha.
Os conjuntos
Apesar da importância da música vocal tradicional em Portugal,
– nomeadamente no Alentejo com os corais masculinos (Cante Alentejano)
– ou as canções polifónicas a três e quatro vozes minhotas e beirãs,
– além dos cantos de trabalho, canções de embalar,
os instrumentos têm funções muito importantes na vida das comunidades que os utilizam.
Geralmente construídos pelos próprios tocadores ou por habilidosos locais, mantendo formas e técnicas de construção que se foram perpetuando ao longo dos anos, foram também fixando funções de carácter ora cerimonial ora lúdico, onde o próprio instrumento dava significado a essas festas e a essas cerimónias.
Os instrumentos ao serviço da cultura
Tocadores de gaita-de-foles, que acompanham o Círio da região estremenha, e Zés Pereiras minhotos, que acompanham, pela aldeia, o compasso pascal, são exemplos dessa funcionalidade da música e dos instrumentos ao serviço de uma cultura onde estes objetos de fazer música ocupavam um espaço muito importante.
Alguns destes instrumentos nunca tocam isolados mas integrados em pequenos grupos instrumentais que caracterizam formas musicais próprias onde cada instrumento tem uma função específica.
Formando parte de um todo que se apresenta geralmente em situações festivas ou cerimoniais, estão ligados aos momentos mais importantes da vida dessas comunidades, prestigiando assim quem os integra e a aldeia a que pertencem.
Bombos
Na região da Serra da Estrela (Lavacolhos, Silvares, Souto da Casa), surge o conjunto instrumental dos Bombos, composto por bombos e caixas acompanhados por uma flauta travessa, cuja melodia bastante aguda se sobrepõe ao poderoso troar dos bombos.
Chula
É uma forma musical, instrumental, vocal e coreográfica de todo o Noroeste e mais especificamente da região compreendida entre os rios Douro e Tâmega.
Semelhante à Rusga, tem, no entanto, um carácter mais definido.
A viola utilizada é a viola amarantina e utiliza um instrumento específico: a rabeca chuleira.
Esta é uma espécie de violino de braço muito curto e escala muito aguda que sublinha a melodia e improvisa nos longos «ritornellos» instrumentais entre o cantador e a cantadeira, que cantam ao desafio.
Fado
Na região de Lisboa e de Coimbra, a guitarra e o violão acompanham uma forma específica, o Fado,
– em Lisboa é característico dos bairros populares,
– e em Coimbra encontra-se relacionado com o ambiente estudantil da Universidade.
Gaiteiro
Gaiteiro é o nome atribuído ao grupo instrumental composto
– pelo bombo,
– pela caixa
– e pela gaita-de-foles,
sempre presente nas festas e romarias que vão desde o norte de Portugal à região de Pombal.
Quando chega a altura da festa do santo, o gaiteiro anda pelas ruas, quer se trate de desfiles, de peditórios, de cortejos ou de procissões. No Minho são conhecidos como ‘Zés Pereiras‘ e é sobretudo no Carnaval, que eles entram em ação.
Em Trás-os-Montes, o gaiteiro é usual nas, “Festas dos Rapazes“, que acontecem todos os anos na época do Natal.
É acompanhado pelos ferrinhos.
Rusga
Composto essencialmente por instrumentos de corda, cavaquinho, viola braguesa e violão, são acompanhados, ritmicamente, pelo tambor, os ferrinhos e o reque-reque.
Atualmente, surge também a concertina ou o acordeão.
As rusgas minhotas são grupos festivos que se podiam ver a caminho das festas e romarias e nos trabalhos coletivos da região, acompanhando a dança que espontaneamente se organizava.
Tamborileiro
É um conjunto composto por tamboril e flauta tocado por um só individuo.
Surge em duas regiões: em terras de Miranda, Trás-os-Montes, com as mesmas funções e o mesmo reportório da gaita-de-foles.
Na área além Guadiana, em Vila Verde de Ficalho e Sto Aleixo da Restauração, Alentejo, também com carácter cerimonial muito pobre, tocando exclusivamente na festa do padroeiro local.
Zés Pereiras
Também no Minho e na região de Coimbra encontra-se a gaita-de-foles acompanhada de caixa e bombo, por vezes em grande número nas festas e romarias, cortejos, procissões, visitas pascais.
Na região de Coimbra, os Zés Pereiras são especialmente requisitados para os desfiles de Carnaval, não só dessa zona mas de todo o país.
Os instrumentos musicais populares portugueses pertencem à chamada tradição organológica europeia, e para a sua descrição seguiu-se a classificação de C. Sachs e Hornbostel, criada em 1914, a qual agrupa todas as espécies existentes em quatro categorias (membranofones, idiofones, aerofones e cordofones), dependendo da natureza do elemento vibratório.
A seguir, indicamos as características de cada uma das quatro categorias, apresentando imagens de alguns dos respetivos instrumentos.
Membranofones
Os membranofones são instrumentos de percussão que produzem som através da vibração de membranas distendidas.
Ou seja, o elemento vibratório, e que produz som, é uma membrana retesada.
Assim, podem-se considerar membranofones todos os instrumentos cujo som resulta de uma membrana, ou de uma pele esticada.
Normalmente, os membranofones têm o formato de caixas, circulares ou quadrangulares, e são cobertos por peles de animais de um ou de ambos os lados.
Idiofones
Nos idiofones, o elemento vibratório é o próprio corpo do instrumento, constituído por materiais mais ou menos vibráteis, independentemente da sua tensão.
Cordofones
Tratam-se dos instrumentos cujo elemento vibratório é uma corda ou mais cordas esticadas.
Assim, os cordofones, ou instrumentos de cordas, são instrumentos musicais cuja fonte primária de som é a vibração de uma corda tensionada.
Muitos deles possuem cordas presas a um braço e os comprimentos relativos das cordas são variados pelos dedos de uma das mãos.
Para fazer a corda vibra, são utilizados três métodos principais: as cordas podem ser beliscadas, friccionadas com um arco ou percutidas.
Qualquer instrumento de cordas pode ser executado das três formas, mas alguns são mais frequentemente usados de uma forma específica.
Aerofones
Tratam-se dos instrumentos cujo elemento vibratório é o ar accionado de modo especial pelo instrumento, ou seja, aerofone é um qualquer instrumento musical em que o som é produzido principalmente pela vibração do ar sem a necessidade de membranas e cordas e sem que a própria vibração do corpo do instrumento influencie significativamente no som produzido.
Juntamente com os instrumentos mais importantes existem outros, geralmente idiofones, que têm funções diversas.
Segundo Ernesto Veiga de Oliveira, estes idiofones são divididos nas seguintes categorias:
Instrumentos usados para marcar o ritmo:
– castanholas,
– ferrinhos,
– bilha com abano,
– reque-reque;
Instrumentos utilizados em festividades (Semana Santa, Carnaval, Serração da Velha, etc.):
– matracas,
– zaclitracs;
Instrumentos próprios de certas profissões e modos de vida (para avisar, por exemplo, o começo de certos trabalhos):
– gaita de amolador,
– cornetas,
– assobios de caça,
– cornos,
– búzios;
Instrumentos de passatempo individual:
– ocarina,
– harmónica de boca,
– gaita de palha.
Texto elaborado, adaptado e sistematizado com base em compilação de textos recolhidos na internet | Imagem de destaque