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Grupos e Ranchos Folclóricos: o que representam…

Grupos e Ranchos Folclóricos:

o que representam, como se organizam e como se relacionam com outras áreas da Cultura Popular

Introdução       

Este texto, demasiado sumário para a importância do tema, tem como única pretensão relançar o debate sobre alguns aspetos, que não são totalmente novos (há mais de 10 anos que alguns folcloristas debatem este assunto) mas, fruto da inércia de muitos e a oposição de outros, tem vindo a cristalizar e a prejudicar o desenvolvimento e a afirmação dos grupos de folclore.

O facto de ser “demasiado sumário”, tem duas razões que quero desde já deixar explícitas:

– em primeiro, porque não sou um estudioso da matéria, sou antes um interventor que se questiona sobre as origens das nossas debilidades;

–  em segundo lugar, porque o desafio para esta intervenção, apresentado pelo amigo José Pinto, grande entusiasta e obreiro deste Encontro, surge numa altura em que tenho um conjunto de trabalhos em curso que não me permitiram dedicar mais algum tempo para passar ao papel um conjunto de observações e de interrogações que os anos de atividade folclórica me têm proporcionado.

Todavia, em face da importância que este Encontro pode ter na discussão e na reorganização de que tanto carecem alguns dos nossos Grupos e Ranchos Folclóricos, aceitei o desafio e passarei de seguida a enunciar alguns aspetos que considero fundamentais para essa “reviravolta”, permitindo a esta atividade afirmar-se no movimento cultural e exigir o lugar a que tem direito e nem sempre tem sabido exigir e merecer.

Grupo e/ou Rancho Folclórico

Na minha opinião, Folclore é cada vez mais uma atividade cultural organizada, obedecendo a regras gerais, que todos pretendemos assente em bases de investigação rigorosas.

Sem escamotear a primordial importância que teve e tem, a organização dos Ranchos e Grupos de Folclore a nível local, quer como forma de preservação dos usos e costumes junto dos naturais, quer como forma de divulgação e promoção do local ou região a nível nacional, penso que o Folclore será cada vez mais uma disciplina de estudo, onde o registo para memória futura, terá um papel central já que estamos a intervir no âmbito da nossa identidade nacional.

Dada a importância de que se reveste o estudo, preservação e representação dos usos e costumes, no conhecimento das nossas origens e dos fatores que influenciam a nossa memória coletiva e a nossa personalidade enquanto povo, é absurdo limitar esta atividade a uma intervenção meramente local e isolada do resto do conhecimento.

O Folclore faz parte da moderna Antropologia Cultural e como tal deve ser objeto de intervenção a todos os níveis. O Estudo e a Investigação, os Colóquios e as Conferências; terão que ser a base e suporte do trabalho de preservação e divulgação.

Todos sabemos que alguns Grupos vão muito para além da simples recolha e representação mas, infelizmente, essa não é a regra, sendo necessário para dar este salto qualitativo, quebrar as regras tradicionais de gestão e direção dos Grupos ou Ranchos.

Os Ranchos e os Grupos de Folclore não são, nem poderão ser, a única sede do saber etno-folclórico, devendo contudo estruturar-se para assumir e aprofundar o seu papel nesta área.

O que representam

Ao Grupo (ou Rancho) de Folclore compete preservar e representar as tradições espirituais, sociais e artísticas de um determinado lugar ou região.

Sabendo nós que a cultura e a personalidade das pessoas são condicionadas e assentam nessas tradições, é óbvio que o Grupo terá que socorrer-se do conhecimento rigoroso dessas tradições, devendo assumir a sua quota-parte no estudo e pesquisa das mesmas.

Na década de 30, quando o movimento de organização de Ranchos Folclóricos começa a ganhar dimensão, esse conhecimento era recolhido “in vivo”, junto das pessoas mais idosas, quando não, dirigido por pessoas que, sendo mais velhas, tinham sido ativos participantes dessas tradições.

Todavia, mesmo estando “vivas” muitas dessas tradições, elas estavam a desaparecer e daí a necessidade de as recolher e preservar de forma organizada.

É hoje claro para todos nós que, esse receio de perder o contacto com as origens, era fundamentado e há muitos anos que a recolha “in vivo” deixou de ser possível ou fiável, pois a memória humana deteriora-se e só o recurso a métodos de investigação científica nos garantem que não estamos a recolher dados falsos.

De acordo com estes princípios, que julgo inquestionáveis, teremos que concluir que está aqui a grande diferença entre as necessidades de organização dos grupos de folclore.

A organização ao longo dos anos

Até aos anos 70, o risco de perda de identidade era de natureza regional, já que a disseminação das novas técnicas e dos novos meios de comunicação, punham em risco as diversas culturas locais e regionais, uniformizando os usos e costumes a partir de estereótipos nacionais sem qualquer ligação às diferenciações históricas e etnográficas de cada região.

É, portanto, a partir desta ameaça que surge a necessidade de preservar esses usos e costumes.

Paralelamente desenvolve-se também a necessidade de cada lugar “sair à rua” para mostrar as suas especificidades culturais e paralelamente dar-se a conhecer, surgindo uma nova realidade; a representação.

A partir dos anos 80, as transformações aceleram e a necessidade de preservar a identidade cultural deixou de ser um problema regional para assumir dimensão nacional.

A globalização traz vantagens e oportunidades mas, ameaça a nossa individualidade enquanto povo e daí estarem a surgir os mais variados grupos de defesa da nossa cultura.

Como não existe uniformidade nacional de usos e costumes tradicionais, então a solução passa por defender aquilo que nos identifica e enforma a nossa personalidade coletiva; as várias “culturas regionais”.

A partir daqui, defender a nossa cultura é defender as nossas tradições, sejam elas de que região forem e estejamos nós onde estivermos.

Mas, esta “ameaça” dá origem a outra realidade e a outras necessidades de organização.

Organização dos Grupos e Ranchos de Folclore

Se aceitarmos que o fundamental daquilo que ficou dito é válido, então teremos que concluir que são necessárias novas formas de organização.

Os Grupos, para serem eficazes, terão que estar também organizados a nível regional e nacional.

Mas, não basta ter uma organização que os represente; é necessário que se organizem, interna e externamente, dotando-se de “ferramentas” objetivas e subjetivas (a “imagem” também conta), que lhes permitam desempenhar com rigor e eficácia o papel que lhes está destinado no conjunto das atividades culturais que lhe estão subjacentes.

Essa organização terá assim que assentar em estruturas democráticas, tecnicamente bem apetrechadas e capazes de confrontar o seu trabalho com as instituições públicas que têm por obrigação colaborar técnica e financeiramente no suporte das várias catividades culturais.

Não basta hoje ter um grupo que “mostra” um conjunto de danças, trajes e músicas tradicionais; a preservação exige investimento em investigação e em formação.

A importância da formação

Muitos Grupos e Ranchos desenvolvem já um papel extremamente importante na formação de crianças e jovens e essa é uma atividade fundamental.

É que, mesmo que só algumas destas crianças e jovens, venham a integrar o Grupo de representação, a formação de base nos sons, nos usos e nos costumes tradicionais vai marcar, mesmo que de forma indelével, a sua personalidade.

Este investimento na formação tem que ser incentivado, compensado e apoiado. Só o não é porque, as Organizações atuais do Folclore não estão em condições de fazer valer os direitos dos seus associados. Aliás, toda a história do associativismo no folclore português, está direcionada para a “inspeção” e “controle de qualidade”, sem qualquer apetência visível pela criação de condições para a integração em qualquer movimento cultural mais abrangente.

Apenas o INATEL (cada vez menos), as Câmaras Municipais e as Juntas de Freguesia, vão concedendo algum apoio logístico e financeiro, sem contudo obedecer a qualquer visão estratégica de promoção da qualidade e da verdade etno-folclórica.

Que futuro?

Existe hoje um grande número de jovens a fazer investigação, dentro e fora das Universidades, cujos trabalhos são totalmente desconhecidos do movimento folclórico.

É verdade que os grandes investigadores:

Leite Vasconcelos,

Abel Viana,

Giacometti,

Veiga de Oliveira,

Jorge Dias,

e muitos outros, foram fundamentais para o início deste movimento mas, muito se está fazendo e muito está ainda por fazer.

Os Grupos e Ranchos de Folclore debatem-se há muito com dificuldades integrar tocadores de alguns instrumentos tradicionais como; a Rabeca, o Pífaro (nas suas várias versões), a Gaita-de-foles, a Harmónica (mais conhecida por gaita-de-beiços e que quase desapareceu), etc., etc.

Paralelamente, tem-se desenvolvido nos últimos anos um significativo movimento de pessoas e associações que se dedicam ao estudo, preservação e divulgação dos vários instrumentos tradicionais.

Muitas dessas Associações têm vindo a criar oficinas de construção e escolas de aprendizagem para alguns destes instrumentos.

Perante estes dados colocam-se-nos algumas perguntas:

– Qual é a ligação organizada dos Grupos e Ranchos de Folclore com estas Associações de defesa da música tradicional, dos fabricantes de instrumentos tradicionais, etc.?.

– Qual é a ligação dos Grupos ou Ranchos de Folclore com os Museus de Etnografia, Etno-musicologia, Universidades ou Institutos que têm cursos ou desenvolvem investigação nestas áreas?

O futuro passa também por aqui.

É necessário desenvolver parcerias com todos estes agentes de defesa do nosso Património Histórico e Cultural. Só assim os Grupos serão Agentes Culturais de “corpo inteiro” e só assim estarão em condições de reivindicar, em definitivo, o lugar a que têm direito na preservação da Cultura Popular Portuguesa.

Estas são também algumas das condições para que se possam apresentar projetos candidatos aos fundos previstos no Plano Operacional para a Cultura.

E todos sabemos como tão necessário é o apoio financeiro, venha ele de onde vier. O do POC tem a vantagem de exigir parcerias e mecanismos de controlo que garantem algum rigor nos objetivos.

Tendo consciência das limitações e das fragilidades desta apresentação, não tenho contudo dúvidas em afirmar que: Este é o caminho.

Manuel Palhoco (Elemento do Grupos de Danças e Cantares BESCLORE)

Intervenção apresentada no 1º Encontro Nacional de Folcloristas Internautas – Vila Real (Delegação do IPJ) 8.11.2003

Imagem de destaque: pormenor da capa de um antigo disco em vinil