Generalidades sobre as danças populares portuguesas
Danças populares portuguesas
Por danças populares portuguesas devemos entender, particularmente, as danças que o povo de Portugal Continental bailou noutros tempos ou ainda hoje baila.
Bem sabemos que Portugal não é só o Continente, mas também as Ilhas Adjacentes (…). Contudo (…) não falaremos senão daquelas danças que se bailaram ou bailam no Continente.
Do Minho ao Algarve estende-se uma larga e extensa faixa que abrange várias regiões, regiões onde os homens não são sempre iguais.
Apesar de Portugal constituir um bem definido bloco étnico (1) com gentes que têm pouco mais ou menos o mesmo aspecto físico e possuem a mesma língua e a mesma religião, nem por isso os usos e costumes de todas as regiões de Portugal Continental são os mesmos.
O aspecto geográfico e físico de cada região determina o carácter, o feitio e o temperamento dos seus habitantes; além disso, porque lhes dita determinadas normas de vida, também impõe, por essa razão, determinados gostos.
Não existe verdadeiramente uma dança que se baile em todo o país, de norte a sul: se o corridinho se baila no centro e no sul e as saias se bailam no Alentejo e no centro, já os viras, as chulas e os verde-gaios só se bailam no norte tal como os balhos campaniços só se bailam no Alentejo e as gotas no Minho.
As danças populares portuguesas são variadas
Contudo, na sua variedade e diversidade, as danças populares portuguesas constituem um todo muito harmonioso pois que são, de uma maneira geral, alegres, bem ritmados e ricas de voltas e posições, sendo uma das suas mais salientes características o facto de elas serem sempre danças de conjunto, ao contrário do que se verifica entre inúmeros outros povos do mundo, onde encontramos grande número de danças de solo, isto é, danças para um só intérprete.
Outro aspecto muito curioso e bem característico das danças populares portuguesas é o facto de elas serem quase sempre cantadas; queremos dizer que os pares que as bailam também geralmente cantam as melodias, pelo que raras são as danças do nosso povo que não tenham uma bonita e apropriada letra.
E o contrário não seria muito compreensível pois que, e muito justamente, o povo português goza da fama de ser um povo de poetas.
É um facto que as festas e romarias do nosso povo vão rareando cada vez mais, e que o constante intercâmbio entre as populações do campo e as populações das cidades muito contribui para que os padrões de vida regional vão perdendo dia a dia as suas características.
No entanto, nem tudo desapareceu, e se as modas da cidade invadem todos os dias os bailes populares, nem por isso o povo deixou por completo de dançar as suas próprias modas.
É verdade que muitas das antigas danças populares portuguesas e outras menos características deixaram de se bailar; mas, em contrapartida, muitas daquelas danças que desde sempre o povo mais amou e melhor o definem, ainda hoje têm o seu lugar de honra nas festas e romarias da nossa gente.
Antigas danças que não se bailam
Se já hoje se não bailam antigas danças como, por exemplo, a bailia, o bailharote, a chacota, a fofa alta, o outavado, a chacoina, o cheganço, o filhote, a gitara, a folia, a judiaria, o lundum, a xotiça, a xácara, o vilão ou as viloas, de que falam os nossos cronistas (2) de outros tempos e antigos relatores da vida de outrora, nem por isso o terolero, o arrepia, o enleio ou o machadinho deixaram ainda, uma vez ou outra, de se bailar, nem os viras, as chulas, as saias, os corridinhos, os fandangos, os malhões, o verde-gaio ou os balhos foram inteiramente postos de parte ou esquecidos.
Divisão das danças populares portuguesas
De uma maneira geral as danças populares portuguesas podem dividir-se em quatro grandes grupos:
– danças antigas (as que o povo esqueceu),
– danças religiosas (igualmente postas de parte),
– brincadeiras e jogos bailados
– e danças actuais, que são as que ainda estão em voga.
1) Danças Antigas
Entre as danças que o povo português outrora bailou nas suas festas e romarias e cuja notícia nos é dada através dos relatos que delas nos fornecem os cronistas, os escritores e poetas de antanho temos conhecimento, entre outras, das já citadas tais como: a bailia, o bailharote, a chacota, a fofa alta, o outavado, a chacoina, o cheganço, o filhote, a gitana (ou dança dos ciganos), a folia, a judiaria (ou dança dos judeus), o lundum (que os negros nos trouxeram e tanto se popularizou depois no Brasil durante os primeiros anos de colonização), a xotiça (maneira portuguesa de bailar a dança dos escoceses), a xácara (dança dos negros do Brasil trazida para Portugal pelos marinheiros), o vilão, a viloa, etc.
Hoje torna-se muito difícil saber como eram bailadas estas danças.
2) Danças Religiosas
Outrora as procissões religiosas incorporavam nos seus cortejos uma parte profana (3) que se caracterizava pela interpretação de danças alacres, quase bárbaras mas típicas, a que aludem velhos documentos e descrições e os ainda hoje existentes regimentos (4) dessas procissões.
Entre tais danças destacamos: a mourisca, o império, a judenga, a chacota, a charola, a chulata, a cotiva e as danças do cajadinho, das cantadeiras, dos cativos, das ciganas, das espadas, dos costumes, das donzelas, despadas, dos encartados, dos espingardeiros, dos ferreiros, das fitas, das floristas, dos foliões da Arruda, de Genébres, do Jansé, do laço, da luta, da malta, dos mitrados, dos moiros, dos paulitos, dos paus, da pela, das pescadeiras, dos pretos, do Rei David, da retorta, da roca, dos sátiros e ninfas, dos tendeiros, do turco, do velho e muitas outras mais.
Com o rodar dos tempos a Igreja proibiu tais danças e folias nas procissões religiosas, pelo que foram completamente esquecidas apesar de uma ou outra ainda subsistir, sob forma adulterada, em algumas regiões do país, mas hoje apenas bailadas como uso tradicional e sem qualquer função religiosa.
Assim como estas danças desapareceram, também caíram em desuso alguns velhos instrumentos musicais típicos como: a achincalhadeira, o arrabil, o atabaque, a buzina, o cuco, a genébres, o macaco, o reque-reque, a zabumba e a ronca.
Dos velhos instrumentos populares portugueses, hoje só subsistem: o adufe, o alaúde, o pandeiro e a sanfona, mas as harmónias de boca, o harmónio de fole, a viola, a guitarra, o bandolim, o bombo e os ferrinhos gozam hoje da maior simpatia da parte do povo.
3) Brincadeiras e Jogos Bailados
O nosso povo ainda se diverte com grande número de brincadeiras bailadas e jogos bailados.
Umas e outras embora não constituam realmente danças verdadeiras são, pelo seu aspecto geral, tidas como danças populares.
A carreirinha, a farrapeira, a farrapeirinha, o regadinho, os reinadios, os chicotes, etc., são algumas dessas brincadeiras e alguns desses jogos que se bailam.
4) Danças Actuais
Entre as danças populares que ainda hoje se bailam destacaremos: o vira, a chula, o verde-gaio, as saias, as modas de bailhar, o fandango, o corridinho, a gota, a cana-verde, o malhão, o estaladinho, as modas-de-roda, os balhos, etc.
Mais adiante, falaremos mais demoradamente acerca destas danças.
O Povo Português também importou danças
Além de todas estas danças genuinamente portuguesas – umas esquecidas, outras ainda em voga – também o nosso povo aceitou (e adaptou à sua maneira pessoal) muitas danças estrangeiras, quase todas elas citadinas.
O facto, aliás, é compreensível: trata-se de danças que em geral os soldados ou os trabalhadores que viveram durante algum tempo nas cidades levaram para as suas aldeias e vilas, ensinando-as aí aos seus conterrâneos que imediatamente lhes davam um ritmo e um jeito especial.
Entre tais danças contam-se: as valsas, as polcas, as mazurcas, as quadrilhas e as contra-danças, que há mais de um século o nosso povo vem dançando.
Hoje, tais danças ganharam já um aspecto local sendo, por isso, fácil distinguir uma valsa minhota de uma valsa algarvia, uma mazurca duriense de uma mazurca alentejana.
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Quem percorrer as festas e romarias das nossas províncias ou quem assistir aos bailes improvisados pela gente do povo no final das descamisadas e escaroladas, nas festas finais da vindima ou da apanha da azeitona, ou mesmo no final da lota do pescado, nas regiões litorais;
ou quem presenciar os bailes das festas de casamento e baptizado da gente do povo, os típicos bailhos do Algarve, os balhes do Baixo Alentejo, os balhos do Alto Alentejo e Ribatejo, as várias funções (5) e funçanatas (5) usadas do norte ao sul do País… poderá observar ainda, ao lado de uma rica e individualíssima tradição musical popular, muitas danças que o povo executa numa pura expressão pessoal e bem característica.
Danças menos típicas e menos populares
Ao lado daquelas danças que (como o vira, a chula, as saias, o corridinho, o fandango, o malhão, o verde-gaio ou a cana-verde) são mais populares e mais características em todo o País, outras danças baila o povo português que, apesar de menos características, nem por isso deixam de ser típicas e populares.
Entre as danças menos usadas pela nossa gente do povo destaquemos:
– a farrapeirinha, da região da Beira Litoral, dançada ao som de pífaros na região de Ourém e de Caxarias;
– a farrapeira, da Beira Litoral, do Ribatejo e da Beira Alta.
– o regadinho, que se dança na Beira Litoral, em todo o Norte e também no Algarve, à maneira de quadrilha;
– a ramaldeira e a ribaldeira, da Beira Litoral e Extremadura;
– a tirana, dançada no Minho (Carreço) e na Beira Litoral;
– o estalado, o lambão, o real-das-canas e a viloa, da Beira Litoral;
– o enleio, a carreirinha, o chicote e os reinadios, da Estremadura;
– o enleio, que no Ribatejo é uma moda-nova à maneira das saias;
– a chotiça com marcador (tudo baila-ao-centro – com jeitinho), do Ribatejo;
– o marcadinho, o puladinho, o tope, a redondinha, os balhos-de-cadeia, os balhos-de-roda e o chegadinho, do Baixo Alentejo;
– o salto-em-bico e os bailhos campaniços, do Alto Alentejo;
– o tareio, da Beira Alta;
– e a vareira, do Minho.
Danças de raiz espanhola ou alemã
Algumas danças ainda hoje executadas pelas gentes das regiões raianas – como as seguidilhas de Vila Real de Santo António (Algarve) e Barrancos (Baixo Alentejo) e a jota ou gota das terras mirandesas (Trás-os-Montes), de Escalhão (Beira Baixa) e Penso (Alto Minho) são nitidamente de raiz espanhola mas características só daquelas regiões.
O fandango, igualmente de raiz espanhola, popularizou-se em todo o País.
O balso pulado (espécie de polca), e a chotiça, balso marcado ou balso rasteiro (espécie de mazurca) que se dançam no Algarve são um aportuguesamento da valsa alemã que tanto se popularizou entre a nossa gente tal como também a polca, a chotiça, a mazurca, a contra-dança e a marcha.
Notas
(1) Próprio de um povo ou de uma raça.
(2) Autores de crónicas ou relatos históricos.
(3) Profano é o contrário de religioso.
(4) Ou regulamentos.
(5) Reuniões onde se dança.
Fonte: “Danças do Povo Português”, Tomaz Ribas (texto editado e adaptado)| Imagem (ilustrativa): Romaria do Senhor de Matosinhos: um baile no pinhal (“Ilustração Portuguesa”, II Série – nº 541, 3 de Julho de 1916