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Folclore: onde surgiu o primeiro Grupo Folclórico?

Onde surgiu o primeiro Grupo Folclórico?

Durante muito tempo, considerou-se o antigo Rancho das Lavradeiras de Carreço, fundado em 1904, como o mais antigo agrupamento folclórico constituído em Portugal.

Contudo, um documento que data de mais de dez anos anteriores à sua fundação leva-nos a concluir que, até novas provas em contrário, foi em Ponte de Lima que pela primeira vez surgiu um grupo folclórico devidamente organizado e trajado.

Com efeito, o jornal humorístico “O Sorvete” que se publicava no Porto, dava a conhecer na sua edição nº. 123 de 4 de Setembro de 1892 a deslocação àquela cidade do “grupo de lavradeiras de Ponte do Lima” (foto da página do jornal abaixo nesta matéria).

O grupo de lavradeiras de Ponte do Lima no Porto

E, com o título “O grupo de lavradeiras de Ponte do Lima no Porto“, fá-lo nos seguintes termos:

Graças á iniciativa dos generosos Bombeiros Voluntarios tiveram os portuenses occasião de vêr com os seus proprios olhos o que é uma esturdia no Minho. Lavradores e lavradeiras de puro sangue. Musica genuina da aldeia; cantadores e cantadeiras de fina raça; danças e cantares, tudo, enfim que o Minho tem.

Lourenço, o director da musica, tornou-se a figura mais saliente entre o seu grupo, pois que, ás primeiras gaitadas adquiriu logo as simpatias do publico que o chamou repetidas vezes e o cobriu de aplausos delirantes.

O sympathico Lourenço, quer na flauta, que toca bem – quer no sanguinho de Nosso Senhor Jesus Christo – mostrou-se um bom beiço. Das raparigas: a Thereza, a Rita e a Maria, muito alegres e folgazonas, as outras tambem muito pandegas. E p’ra que viva Ponte do Lima!

A notícia vem acompanhada de uma ilustração que constitui um desenho assinado pelo próprio responsável da publicação, o conceituado caricaturista Sebastião de Sousa Sanhudo, também ele natural de Ponte de Lima.

O traje característico das lavradeiras

A gravura mostra as lavradeiras com o seu traje característico incluindo os lenços de franjas, os aventais de quadros e as chinelas enquanto os homens com seus coletes e casacas de botões negros e, como não podia deixar de suceder, o inconfundível chapéu braguês por vezes bastante esquecido entre os grupos folclóricos minhotos da actualidade.

Uma particularidade que nos salta à vista é o facto do sympathico Lourenço que aparece com a sua flauta e era o director da música ser um negro cuja origem se desconhece, aparecendo aqui integrado naquele que se julga ter sido o primeiro grupo folclórico português.

Crónica de Severino Costa

Em 14 de Janeiro de 1966, o jornal limiano “Cardeal Saraiva” transcrevia uma crónica produzida pelo jornalista Severino Costa no “Comércio do Porto“. Nela asseverava ser o “grupo de lavradeiras de Ponte do Lima” originário da freguesia da Correlhã, dizendo a dado passo:

Lembrava-me muito bem do simpático Lourenço. Era um exímio tocador de flauta que na minha infância ouvi diversas vezes, não podendo porém, dizer como nem onde. Mas da pessoa lembro-me muito bem. Era um homem de fala muito suave, muito educado, alegre, e tinha uma prosóide curiosa… Nada sei da sua família e de como veio para Ponte de Lima”.

De resto, não sabemos o que levou o autor a concluir a proveniência daquele “grupo de lavradeiras“, a não ser porque ainda deverá ter conhecido ou obtido informações a respeito de algumas das pessoas mencionadas na notícia publicada em “O Sorvete“.

E conclui: “Mas do que parece não ficarem dúvidas, depois do aparecimento deste documento autêntico, é que Correlhã tinha, em 1892, um rancho folclórico. Não se concebe que alguém se tenha lembrado, por acaso, da freguesia de Correlhã.

Se dali foi levado ao Porto, pelos Bombeiros Voluntários, tal grupo, é porque ele existia constituído, com suas danças próprias, com nome firmado, com indumentária“.

Jornal “O Sorvete”

Em todo o caso e qualquer que seja a proveniência exacta do primeiro grupo folclórico, a referida edição do jornal “O Sorvete” vem documentar ter sido em Ponte de Lima a sua origem, informação essa que vem corrigir uma opinião que durante muito tempo foi sustentada nomeadamente pelas vozes mais autorizadas.

Não obstante, o eventual aparecimento de novas provas poderá reservar-nos mais surpresas e inclusive contrariar as conclusões a que até agora chegámos, pelo que nunca devemos dar por definitivo os resultados da nossa investigação.

Carlos Gomes, Jornalista, Licenciado em História (texto e imagens)