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Folclore e Migrações Internas | Textos e opiniões

Folclore e Migrações Internas

As migrações das gentes do interior para os centros urbanos (migrações internas) constitui um fenómeno das sociedades modernas.

É consequência directa da industrialização dos meios de produção, tendo as mesmas início no nosso país a partir de meados do século passado, mais precisamente no período denominado por “fontismo“.

Desde então, o êxodo a partir dos campos para as cidades não mais cessou, com verdadeiras legiões de camponeses a engrossar incessantemente as classes trabalhadoras da cidade.

E à medida que estas cresceram e foram progressivamente sendo ocupadas pelo sector terciário do comércio e serviços, também apareceram os “dormitórios” suburbanos que fizeram crescer desmesuradamente as respectivas periferias.

Este fenómeno teve como consequência directa o desenraizamento cultural de parte da população e ainda uma relativa perda de contacto com a natureza.

Este é um aspecto considerado fundamental para o bem-estar psicológico e emocional da pessoa humana.

Paradoxalmente, numa primeira fase a cidade representava qualidade de vida para os seus habitantes, sobretudo se tivermos em consideração o atraso económico, social e cultural em que então viviam as populações dos meios rurais.

Menos agricultura não é mais desenvolvimento

Entretanto, os economistas passaram a encarar a diminuição da população na agricultura como um claro sinal de desenvolvimento.

Isto, uma vez que, confundindo causa e efeito, as estatísticas indicam que é nos países economicamente mais desenvolvidos que se regista uma menor taxa de ocupação de mão-de-obra no sector primário ou seja,

– na agricultura,

– na pesca

– e nas indústrias extractivas,

ao contrário do que sucede nos países sub-desenvolvidos.

Esta ideia errónea é precisamente a que tem sido seguida nomeadamente na definição da chamada “reforma da política agrícola comum” da União Europeia.

Esta, assumida com tal ligeireza, mais não tem conseguido do que despovoar os meios rurais em detrimento de um progresso equilibrado e sustentado que tenha em consideração o bem-estar do ser humano, pois só nessa perspectiva faz algum sentido o desenvolvimento económico.

De nada valem as visitas esporádicas e ocasionais sem consequências práticas dos chefes de estado e de governo a localidades isoladas no interior.

Por exemplo, como a efectuada pelo Presidente da República à aldeia do Soajo, onde foi inaugurar um elevador de palha!!!

Migrações para a região de Lisboa

De norte a sul, a região de Lisboa tem ao longo dos anos recebido gentes oriundas das mais diversas regiões do nosso país. Os minhotos vieram trabalhar na hotelaria e na construção civil, trazendo consigo a concertina que os alegra em momentos de são convívio.

Mas há ainda os beirões e os transmontanos, os algarvios e os açorianos. Existem também os alentejanos que formam uma imensa colónia e não perdem ocasião para cantarem as suas modinhas.

E, em Vila Franca de Xira, com os pés dentro de água e as suas casas construídas em palafita, a colónia de avieiros imortalizada pelo escritor Alves Redol, gente que tem a sua origem e os seus costumes ligados a Vieira de Leiria.

De acordo com os pareceres habitualmente emitidos pelos “técnicos” do folclore, os grupos devem sediar-se na respectiva região que procuram representar:

– os minhotos no Minho,

– os alentejanos no Alentejo ,

não devendo serem reconhecidos os que tal princípio não observarem.

Manter as tradições regionais

Seguindo esse raciocínio, que reflecte uma visão estática da sociedade, os avieiros deveriam dançar o fandango e trajar de campino apenas porque passaram a viver no Ribatejo.

De igual modo, os minhotos que vivem na periferia de Lisboa deveriam trocar o vira e a chula pelos costumes saloios.

E os alentejanos que foram viver para o Algarve teriam de esquecer o seu cante bem característico e dolente para passar a dançar o corridinho algarvio. Enfim, coisas que só lembram aos “técnicos”!

Ora, sucede precisamente que as gentes que migraram das zonas rurais para as cidades agruparam-se na maior parte dos casos em associações de carácter regionalista. Sempre com o objectivo de manterem os seus laços de convívio e preservarem as respectivas tradições.

A maior parte dessas entidades encontra-se sediada em Lisboa e no Porto, existindo porém noutras localidades do país.

Com maior ou menor êxito, algumas delas constituíram os seus grupos folclóricos, contribuindo desse modo para que as suas gentes não esqueçam a sua verdadeira identidade.

Naturalmente, revelando numerosas deficiências a que necessariamente não é alheio o desinteresse a que são votados por parte daqueles que dizem representar o folclore português.

Sucede que, os referidos grupos não são reconhecidos precisamente porque não se encontram sediados nas respectivas regiões de origem – ou não interpretam o folclore da região onde se encontram sediados!

Carlos Gomes, Jornalista, Licenciado em História | Imagem de destaque