Textos e Opiniões

O Folclore e a Convenção da UNESCO de 2003

Convenção da UNESCO de 2003

É fundamental que a Convenção da UNESCO de 2003 seja devidamente explicada, que não o foi até hoje, por isso toda a confusão que para aí vai.

Quando da aprovação do Cante não houve qualquer preocupação pedagógica, pois o que interessava era fazer aprovar a candidatura. Quando do Congresso do Folclore Português, os folcloristas limitaram-se naturalmente a ouvir e, agora, se já refletiram, é tempo de chegar a conclusões fundamentando.

Para já, duas sínteses:

1.- Folclore – património que assenta no autêntico, no tradicional, no identitário;

2.- Convenção de 2003 – património que assenta nas constantes transformações, na criatividade.

Eis como a Dr.ª Clara Bertrand de Carvalho, responsável pela cultura da UNESCO nosso País, a define:

“Sendo um património fundado nos conhecimentos e práticas, não se caracteriza pela autenticidade mas sim pela constante transformação e recriação, não se funda no tempo e na história mas antes na prática recorrente e na transmissão interjecional, não visa preservar coisas mas salvaguardar saberes e conhecimentos. O olhar do sujeito desvia-se do objeto patrimonializável para se centrar no criador do património, que é chamado a ter um papel ativo em todo o processo.”

Ora, e perante isto, é claro, que se trata de dois patrimónios ambos imateriais, mas que nada têm a ver um com o outro.

Entretanto, li algures que a Salvaguarda do PCI se pode considerar “da parte etnográfica ao empoderamento dos detentores do património cultural imaterial”, que, “traduzido” para português corrente e segundo o Ciberdúvidas, nos dá “da discrição dos usos e costumes populares até à valorização dessa herança rica dos usos culturais”.

Nem comento, mas agradeço que alguém me apresente o fundamento para tal afirmação.

Congresso do Folclore Português

Entretanto, numa das alíneas das Conclusões do Congresso do Folclore Português lê-se que existem exemplos ”de boas práticas” relativamente ao registo do PCI por parte de grupos de folclore português (com a necessária e valiosa colaboração autárquica). Estes registos encerram franco potencial para a constituição de produtos turísticos diferenciados e diferenciadores no mercado.

Antes de mais, está errada a sigla PCI (Património Cultural Imaterial) que, ao dizer apenas respeito ao que é regulado pela Convenção da UNESCO de 2003, nega que o Folclore/Cultura Tradicional seja também Imaterial. Trata-se aliás de uma retificação que me atrevo a sugerir à UNESCO.

Quanto à expressão “boas práticas” dizem-nos ser derivada do inglês best practice, a qual denomina técnicas identificadas como as melhores para realizar determinada tarefa. Pelo que também podemos dizer que existem exemplos de “boas práticas” do registo do folclore como cultura tradicional.

Agora o último período da alínea é que deve ser interpretado com muito cuidado.

Vejamos:

Estes registos encerram franco potencial “para a constituição” (leia-se transformação) em produtos turísticos diferenciados e diferenciadores no mercado“.

No fundo é o que Paulo Lima diz ao JL” As candidaturas servem acima de tudo para a criação de um destino turístico ou para aumentar as vendas. Como se vai ganhar dinheiro, associar a produtos, etc. Há sempre um intuito comercial ou capitalista, se quisermos “Resumindo e concluindo, não são estes os objectivos dos folcloristas.

Folclore e globalização

Aliás se andamos há anos a dizer ter que acabar com o folclore para turista ver….

Entretanto quero dizer que acho importante o que o regulamento da convenção nos diz quando refere que

«Esse património cultural imaterial, transmitido de geração em geração, é constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função do se meio, da sua interacção com a natureza e da sua história, incutindo-lhes um sentimento de identidade e de continuidade, contribuindo, desse modo, para a promoção do respeito pela diversidade cultural e pela criatividade humana» (Artigo 2º).

No entanto, há quantos anos esse sentimento de identidade foi absorvido pela globalização?

E permitam-me terminar com mais uma clarificação. Segundo a Dr.ª Clara Bertrand de Carvalho, só compreende a Convenção de 2003 quem conhecer os objectivos da UNESCO e os meios que tem para os alcançar.

A UNESCO

Ora a UNESCO foi fundada logo após o fim da Segunda Guerra Mundial, com o objetivo de contribuir para a paz e segurança no mundo, através da educação, da ciência, da cultura e das comunicações, e da cooperação entre os países.

Logo, enquanto o Folclore é um projecto cultural, a Convenção de 2003 é um importante projecto para a paz, e só assim se compreende que tenha abdicado do termo folclore nos seus textos— que, aliás já considerara sinónimo de cultura tradicional— porque alguns países o consideravam sinónimo de nacionalismo. Ora, no nosso País, sempre foi, é e será, sinónimo de Identidades.

A propósito pergunte-se aos amigos do Cante, se aceitam que o mesmo deixou de ser tradicional e identitário. E depois vejam as condicionantes para se ser Património Cultural Imaterial da Humanidade.

E terminando, lendo a Drª Clara Cabral, enquanto o Folclore é a “tradição do passado“ a Convenção de 2003 regula a “tradição do contemporâneo”.

Lino Mendes