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Doenças e ervas medicinais | Medicina Popular   

Doenças e ervas medicinais

“Todas as plantas têm princípios ativos, capazes de interferir a nível biológico se ingeridos pelo organismo humano. Destiladas, a maioria das plantas produz essências, álcool e gases combustíveis.

Associadas a estas substâncias estão outras que, pela sua concentração, dão propriedades específicas às plantas, como é, por exemplo, o caso das papoilas que produzem o ópio.

Existem vários trabalhos dedicados à flora transmontana; como exemplo, em 1984, Berta Nunes, Ana Paula Oliveira e Margarida Cunha Ferreira publicaram um opúsculo intitulado Plantas Medicinais de Barroso,  que está longe de abarcar a totalidade da flora medicinal.

Trata-se de um começo, mas sabemos que de muitas plantas nem se suspeita sequer o poder medicinal, porque não foram testadas nem pelo povo nem pela ciência, que se esqueceu, por exemplo, que as poutegas são boas para acudir à fome de Maio.

Não é nosso propósito reproduzir aqui tal trabalho. Relataremos, isso sim, algumas das moléstias identificadas pela medicina popular e indicaremos o prognóstico e tratamento.”

– Doenças: anemia a bronquite

Anemia (identifica-se por uma espécie de fraqueza física) – aliviam-na os bolos de milho untados com azeite. Também um litro de vinho com gemas de ovo e açúcar.

Anginas (amígdalas inflamadas) – tomar mel. Aplicar um emplastro quente à volta da garganta (até aguentar a temperatura) e tomar uma bebida alcoólica (vinho) fervida com açúcar ou mel bem quente.

Asma (identifica-se por uma tosse intensa, rouca e frequente) – alivia-se fumando figueiras-de-inferno.

Bexigas (existem várias afecções da bexiga) – as melhores terapias que se conhecem é evitar as bebidas alcoólicas e beber abundantemente a água pura de Barroso. Também as ervas como a salsa, o morangueiro, as barbas de milho, a carqueija ou qualquer chá de folha de lenhosas parece acalmar os males da bexiga.

Bichas – esfregar as fontes da cabeça com alho, tomar diversos chás (absinto, hortelã, etc.) e fazer uma dieta apropriada à base de azeite e alimentos cozidos.

Bronquite (inflamação dos brônquios) – como para a asma, fumar figueiras-de-inferno ou então defumar-se com eucalipto ou loureiro. Alguns chás (como o de eucalipto) são aconselháveis.

As “crendices” das ervas – mezinhas e esconjuros

– Doenças: calvície a dores de ouvidos

Calvície – se se trata da queda do cabelo numa zona específica (peladas), ferver folhas de nogueira e lavar a cabeça com a água. Também se diz que o tabaco macerado pelo menos oito dias tem um resultado idêntico.

Cabresto (ligamento que, por baixo da língua, impede as crianças de pronunciar correctamente alguns fonemas, nomeadamente o «s») – corta-se a «veia» com a navalha de fazer a barba.

Catarro (tosse e dores nas vias respiratórias) – ferver vinho com açúcar ou com mel e bebê-lo. Sopa de frango e legumes onde se cozeu muita cebola.

Constipação e rouquidão – sopa de frango e muita cebola. Vinho quente com açúcar ou mel.

Coqueluche – xarope de folhas de figueira-de-inferno, de flor-de-sargaço, pinhas-bravas ou agriões.

Diabetes (insuficiência de insulina) – dar açúcar aquando das crises. Tomar onze dias chá feito de dois ramos de alecrim, raiz de salsa, cominhos, raiz de madressilva, cinco pontas de pinheiro e cinco folhas de salva fervido cinco minutos em meio litro de água e adoçado com uma colher de açúcar.

Diarreia – comer farelo. A aguardente com açúcar também é utilizada, assim como o trigo seco, o centeio, chá de marmeleiro e a água de pevides da cabaça.

Dores de dentes – para a dor de dentes o melhor remédio é o óleo de cravo-da-índia (ou o cravo esmagado). O álcool (aguardente) e o fumo de cigarro também são recomendados. Contudo, o remédio mais eficaz é lavar a raiz do dente que dói na pia da água benta da igreja.

Dores de ouvidos – fazer repousar o doente e dar leite de mulher.

Ervas místicas | Superstições e crendices

– Doenças: equimoses a feridas e ferimentos

Equimoses e pisaduras – aplica-se uma bebida alcoólica e a seguir emplastros (como os de papas de linhaça).

Erisipela – caracteriza-se por rubor e temperatura geralmente na cara. É contagiosa. Cura-se com o ar do lume ou colocando um emplastro muito quente.

Escrófulas e ínguas – ranhá-las até fazer sangue e aplicar um unguento especial (de alguns curandeiros) ou então uma casca de cebola embebida em azeite.

Espinhela caída – esta doença é caracterizada por uma astenia global com discurso depressivo. Colocar pimpinelas nas plantas dos pés. Untam-se os pulsos das pessoas com azeite e pendura-se numa trave ou numa porta, esfregando-a até a pessoa ficar extenuada.

Febre – banhos de água fria. Esfregar o doente com urtigas.

Feridas e ferimentos – estanca-se o sangue com a ajuda de garrotes, teias de aranha, açúcar e ligaduras. A saliva do cão acelera a cura, mas podem-se aplicar outras substâncias, sobretudo álcool.

A medicina popular produziu algumas pomadas, como esta receita recolhida em Seselhe: sebo de carneiro branco, sebo de carneiro preto, alvaiado e secante.

A “saúde” das ervas | Medicina popular

– Doenças: fígado a gripe

Fígado – evitar as bebidas alcoólicas e beber apenas água pura de Barroso, O chá de marroios e da erva de S. Silvestre também é aconselhável.

Gota — a gota manifesta-se geralmente pelo inchar dos pés e uma dor aguda impedindo a marcha. Também podem existir dores nas outras articulações. Cura-se com uma dieta sem gorduras e sem bebidas alcoólicas.

Por outro lado, pôr a zona atingida (geralmente os pés) em água salgada ou ferver folhas de nogueira e meter os pés nessa água à temperatura mais elevada que se puder aguentar. Dormir com os pés mais altos que o corpo.

Gretas (pele e músculos cortados, sobretudo nas mãos, por causa do trabalho) — esfregar com uma bebida alcoólica. Colocar sabão ou cera em cima das gretas.

Gripe — sopa de frango com muita cebola. Tomar também uma bebida alcoólica quente com açúcar ou mel. O mel, o alecrim, o vinho e a banha de porco fervidos também parecem ser um bom remédio.

Plantas e ervas medicinais – usos cosméticos e outros

– Doenças: hemoptises a intestinos

Hemoptises (escarros de sangue) — xarope de uma bebida alcoólica (aguardente) com açúcar ou mel bem quente. Beber um copo de urina de uma pessoa mais nova.

Icterícia (caracteriza-se pelo aparecimento de zonas amarelas, sobretudo nas órbitas oculares; diz-se que é por via do fel do fígado) — comem-se nove piolhos vivos acompanhados ou não de farinha, mel, açúcar, fazendo-se em seguida uma dieta à base de caldos.

Infecções — esfregar com uma bebida alcoólica. A raiz de urtiga, as folhas de nogueira, as malvas e a erva-de-sete-sangrias também atalham as infecções.

Infecções da boca — bochechar com uma bebida alcoólica. Desfazer ciganos, deixá-los a macerar em água e lavar a boca com essa água.

Intestinos — água pura de Barroso, aguardente, nozes e pão. O farelo e a farinha parecem ser eficazes na regulação dos intestinos, assim como os legumes. Os chás de arruda, salva, caroço de marmelo ou artemísia também são indicados.

– Doenças: mordeduras de cobras a órgãos genitais femininos

Mordeduras de cobras (sobretudo de víboras) – alarga-se o sítio da mordedura com uma navalha e chupa-se o sangue para sair o veneno. Se for nos membros, usa-se o garrote para impedir o sangue de circular. Chá de casca de giesta bem concentrado.

Também há quem use colocar a carne quente de um gato sobre a mordedura. Se em vinte e quatro horas a pessoa não morrer é porque se salva.

Mordeduras de licranços – deita-se gordura na mordedura. Se em vinte e quatro horas a pessoa não morrer é porque se salva.

Mordeduras de abelhas e vespas – coloca-se uma lâmina de aço no local da mordedura, que alivia a dor e impede de inchar

Névoas nos olhos — merda de lagarto. Usa-se também lavá-los com urina.

Órgãos genitais femininos — trata-se sobretudo dos corrimentos, que param lavando com água de malvas.

– Doenças: pedras nos rins a sarna

Pedras nos rins — água pura de Barroso. Banhos de cozimento de chapotos de flor branca.

Peito apertado (dores fortes aquando da inspiração) — chá de duas folhas de eucalipto, hortelã-pimenta, raiz de alho, casca de cedro, raiz de carqueja e grão de erva-doce. Ferver cinco minutos em meio litro de água, adoçar com duas colheres de açúcar e tomar sete dias.

Queimaduras – água de cal, água gelada (gelo, neve). Quando a dor acalmar colocar um emplasto de sebo. Um emplasto de sabão, açúcar e azeite também é eficaz.

Reumatismo (dores crónicas dos ossos) — esfregar o local com a banha da cobra e beber a água onde foi cozida a cobra depois de lhe terem sido cortados dois palmos, um para o lado da cabeça e outro para o lado do rabo, pois, segundo a crença, é nestes pontos que existe o veneno.

Rins — água pura de Barroso. Chá de erva de S. Roberto.

Sangue pisado — passa em dois ou três dias se esfregado frequentemente com aguardente. Utilizar sanguessugas.

Sarna (é devida a um ácaro que cava galerias na pele para aí depositar os ovos; manifesta-se por erupções e coceira) — esfrega-se a pele abundantemente com uma bebida alcoólica.

A água onde se ferveu flor de carqueja também resulta, assim como banha de cobra.

– Doenças: tensão a tuberculose

Tensão (alta e baixa) — substâncias contidas no pão de centeio regulam a tensão. O chá de oliveira parece também ser um regulador natural.

Tersol (tersolho) (erupções nas pálpebras) — lava-se com água das pias das galinhas e esfrega-se com alho.

Tosse — chá de folhas de castanheiro ou de laranjeira. Também se costumam defumar as pessoas com estas duas plantas. Um remédio eficaz é ameaçar alguém de se lhe tirar a tosse (Gralhas).

Trasorelho (maleitas) (inflamação de um lado do queixo) — esfrega-se o local com as molidas ou com o jugo dos bois ainda quentes. Cozer a queixada de um reco e esfregar o maxilar do doente com a medula óssea.

Tuberculose (identifica-se por uma tosse rouca e fraqueza geral) – cura-se à base de murta, mel, açúcar e ovos. O que é preciso é fabricar uma bebida bem quente que alimente o como e ao mesmo tempo arrebente com os micróbios.”

Fonte: Medicina Popular – Ensaio de Antropologia Médica, de António Fontes e João Gomes Sanches, Âncora Editora, Colecção “Raízes”, Março de 1999