A emoção e o prazer de criar, sentir e entender os objetos

Cultura Material: A emoção e o prazer de criar, sentir e entender os objetos

«Estamos rodeados por objectos, e estamos rodeados pela história»
Steven Lubar e W. David Kingery

Resumo

Este artigo reflete essencialmente, acerca da relação entre as emoções e a produção material de todos os dias, seja essa produção, artesanal ou artística.

Fazendo ligações entre a atividade mental, criativa e executória do Ser Humano, tenta-se perceber até que ponto esses objetos, artefactos ou utensílios podem ser instrumentos sensoriais e emocionais, assim como instrumentos de preservação, diferenciação e afirmação sociocultural.

Para além deste aspeto é igualmente feita uma abordagem à capacidade que os objetos têm para vencer as barreiras do espaço e do tempo. Duma maneira ou de outra, o tempo e o espaço confundem-se e interligam-se.

Abstract

This article is mainly a reflection about the relationship between the emotions and the material production, artistic or workmanship. Making links between mental, creative and building human activity, we try to understand how objects, artifacts or utensils can be instruments of preservation, differentiation and socio cultural affirmation.

In spite of this, I explain the capacity of the objects to go beyond their time and physical space frontiers. In a way or another, the objects, the time and the space, mix up and interconnect among themselves.

Resumen

Este artículo reflecte principalmente sobre la relación entre las emociones y la producción material, sea ella artesanal o artística.

Haciendo conexiones entre la actividad mental, creativa y ejecutoría del Hombre, se va a tentar entender como los objetos, artefactos o utensilios pueden ser instrumentos sensoriales y emocionales, así como también instrumentos de preservación, diferenciación y afirmación socio-cultural.

Para allá disto, es hecha también una abordaje a la capacidad que los objetos tienen para vencer las barreras del tiempo y del espacio. De una manera o de otra el tiempo y el espacio se confunden y se interconectan.

Palavras chave

Cultura material; objectos/actividade sensorial; objectos/actividade emocional; objectos/construção e preservação de identidades

Muitas questões se colocam quanto à importância dos objectos na vida de todos nós. Funcionarão estes como uma espécie de reservatório das nossas memórias individuais ou colectivas?

Que relação emocional temos com os objectos que nos pertencem?

Existem de facto momentos de emoção quando o artesão constrói determinada peça?

Funcionarão os objectos como mediadores das relações humanas?

Até que ponto são os objectos manifestações das nossas identidades?

Poderiam ser às centenas as questões a levantar acerca do papel que os objectos sempre tiveram na caminhada evolutiva da Humanidade. Tal como dizem os autores acima referenciados, rodeados de objectos encontramo-nos, inevitavelmente, rodeados de História e também de muitas histórias.

Os artefactos são pois capazes de vencer as barreiras temporais e espaciais. Vencem o tempo e a idade, porque perduram para além da sua época. Vencem espaços e distâncias, porque «viajam» para além das suas fronteiras originárias.

Desde tempos imemoriais, que o Homem tem uma ligação profunda com os utensílios, e os objectos que cria e recria para satisfazer as suas necessidades. Qualquer objecto – por mais rude ou singelo que seja -, é fruto de criação intelectual e do trabalho criativo do ser humano.

 

Sugestão de leitura: Dossier sobre o Barro Preto de Bisalhães – Vila Real

 

Os objectos têm funcionado ao longo dos anos e em muitas sociedades como elementos de diferenciação social e/ou de sociabilização dos indivíduos. Há uma carga simbólica agregada a cada um desses objectos.

Os «artefactos podem ter um papel utilitário, mas têm também uma função ideológica relacionada com a organização social da sociedade, e podem possuir ainda uma função ideológica relacionada com a ideologia da própria sociedade.» (Lubar e Kingery,1993: XVI)

Do sagrado e do profano fazem igualmente parte os objectos.

A importância destes no quotidiano de todos nós assume tão grandes dimensões que, há autores a defender que a destruição de um objecto pode simultaneamente ser a destruição de uma memória cultural.

Anna Ostrowska diz ser óbvio o poder ou a força dos objectos na mobilização da memória cultural. Por isso existem correlações estreitas entre os objectos e a mudança ou afirmação do Eu.

Se por um lado determinado objecto nos proporciona sensações agradáveis e de continuidade ou permanência de algo que nos é muito querido, por outro lado, a destruição do objecto com essa forte carga simbólica, pode também funcionar como meio de mudança de parte da nossa identidade.

Comecemos então, por clarificar, qual a função da Cultura Material? Que mais valia trazem estes estudos à Humanidade?

Jules David Prown define que o estudo da cultura material tem o propósito de «(…) entender a cultura, de descobrir as crenças – os valores, as ideias, as atitudes e as pretensões – de uma determinada comunidade ou sociedade num certo tempo.» (Prown,1993:1).

A Cultura está sempre e primeiramente ligada à atividade mental do Homem.

Cultura é sem dúvida tudo aquilo que recebemos, herdamos e recriamos na nossa sociedade e para a nossa sociedade. Cultura Material é pois, tudo «(…) aquilo que o homem cria ou concebe e que utiliza na sua vida quotidiana, de modo a extraír do meio envolvente tudo o que necessita.» (Nogueira, 2000:192).

Descobrir os objectos é entender a sociedade que o recriou [1], é uma experiência muito rica e gratificante. O objecto, não é apenas cor, textura, matéria-prima, forma e função. O objecto, é tudo isto, e mais historia, contexto cultural, emoção, experiência sensorial e comunicação corporal.

Mas, a Cultura Material pode ainda ser encarada sob outra perspectiva:

Só os objectos transcendem a fronteira do tempo e do espaço. Uma materialidade que é caracterizada pela permanência, mas não pela imobilidade. Aos objectos é conhecida a sua faceta “viajante”. Eles circulam no seio das sociedades humanas e por isso, um mesmo objecto pode adquirir diversos significados em mais de um contexto ou lugar.

Por isso, aos objectos é reconhecida a sua imortalidade. Marcel Maget afirma que «os traços materiais são os testemunhos que (…) mais duráveis são dentro de uma cultura. Das muitas civilizações passadas é tudo o que nos resta.». (1962:15)

São aqui reforçadas as características da resistência, durabilidade e permanência do objecto face às outras criações humanas, assim como é igualmente frisada a sua intemporalidade.

David Prown, tal como Maget, escreveu que os «artefactos constituem a única classe de eventos históricos que ocorreram no passado mas que sobreviveram até ao presente. Eles podem ser reexperenciados; eles são autênticos, e são material histórico primário para ser estudado em primeira mão. Os artefactos são evidências históricas.» (Prown,1993:3)

Contudo, o facto de os objectos possuírem esta característica da intemporalidade, esses artefactos pertencem a um determinado tempo e definem uma determinada época.

Através do seu estudo, podemos mesmo traçar a história de certa comunidade, como podemos ir mais longe e, traçar até o perfil da actividade profissional que concebeu esse objecto e do artesão que lhe deu corpo.

Elementos como a cor, materiais usados, texturas, formas e motivos decorativos, são tipificadores de um determinado momento no tempo.

Henry Glassie afirma que «(…) tal como uma história, um artefacto é um texto, uma maneira de exibibir formas e um veículo de transmissão de significados.» (Glassie:1999,46). Os objectos são neste sentido, contadores de histórias, veículos de transmissão cultural e emocional.

Podemos então observar o material das nossas sociedades ao nível das emoções?

É claro que sim. Mas vejamos o excerto que a seguir se segue para perceber melhor esta realidade: «As mãos moviam-se no barro e eram lestas e seguras. (…) Lentamente, o barro adquiria formas. (…)

– Porquê estes bichos?

– Sonho muitas vezes assim. Depois faço os sonhos no barro.» (Bastos,1988:103)

Ao pensar, conceber ou restaurar objectos, o artesão lida em primeiro lugar e em todo o processo construtivo com as emoções. Em muitas situações, o artesão primeiro que tudo, sonha com uma determinada peça.

E assim que desperta coloca no papel, madeira, barro, metal ou outra matéria-prima qualquer, a emoção ainda presente e viva desse sonho. Em todo este processo, o artesão lida com algo que não é exterior.

Trata-se de uma experiência solitária e de interioridade, que só é visível, entendida e apreciada, quando é exteriorizada no objecto artístico produzido.

E reafirmo artístico, porque mesmo que o propósito principal seja a funcionalidade, há sempre um lado estético, decorativo e por conseguinte artístico nessa peça. Por isso, é que o resultado final das peças é por vezes tão belo.

O objecto «joga» com as emoções de quem cria e com as emoções de quem compra. Quando adquirimos um objecto, para além da característica funcional que o mesmo possa ter, está implícito simultaneamente o nosso desejo de adquirir algo que seja também belo, agradável aos nossos olhos.

Há assim uma continuidade emocional que se inicia na interioridade do artesão [2], passa pela sua oficina e prolonga-se até ao espaço vivencial do comprador.

 

Sugestão de leitura: Os trabalhos que o linho dá

 

O aspecto emocional pode ainda ser encarado sobre a perspectiva da «entrega» de quem cria. Porque o acto criativo é também momento de entrega, de luta e muitas vezes de dor e desapontamento.

Glassie diz que as coisas são consideradas trabalhos artísticos quando o acto criativo é de empenhamento, devoção, ou seja, quando as pessoas se transferem completamente para os seus trabalhos. (1999:41).

Citando novamente David Prown, é curioso como este autor interpreta o lado emocional dos artefactos. Ele afirma que «tomando uma interpretação cultural através dos artefactos, nós comprometemo-nos com a outra cultura, em primeira instância, não através das nossas mentes (…), mas através dos nossos sentidos.

Figurativamente falando, nós colocamo-nos dentro dos corpos dos indivíduos que criaram ou usaram esses objectos; nós olhamos com os seus olhos e tocamos com as suas mãos.» (1993:17).

O mais excitante aqui, é pensar que, mais importante do que o contacto temporal através das mentes, é o contacto sensorial através dos tempos. As experiências sensoriais são muitos fortes.

O nosso Mundo está carregado de sensações e nós nele vivemos e sobrevivemos através da percepção sensorial. Tocar, olhar, cheirar e/ou ouvir, são gestos inconscientes que executamos quando tocamos algum objecto.

A visão, o tacto, a audição, o olfacto e o paladar, para além de serem captadores de sensações físicas, são simultaneamente vias de transmissão cultural.

Os actos sensoriais atrás referenciados carregam consigo inúmeras dimensões culturais consoante as sociedades analisadas. No caso das sociedades ocidentais é notória a excessiva valorização que se dá ao sentido visual.

A antropóloga Constance Classen, especialista em antropologia sensorial, afirma que a visão começou a distanciar-se dos demais actos sensoriais, a partir do século XVIII, devido ao florescimento da Ciência.

A autora acrescenta ainda que as teorias Darwinianas e Freudianas do século XIX, encaravam a visão como o sentido da civilização, do desenvolvimento e do progresso. Isto explica, que a visão se tenha distanciado dos outros actos sensoriais.

É curioso também pensar que, às sociedades menos desenvolvidas tecnologicamente estavam associados mais fortemente o olfacto, o tacto e o paladar.

Por isso, é que «a história dos sentidos no Ocidente não deve ser considerada um padrão segundo o qual se deva mensurar o desenvolvimento sensorial de outras culturas. Cada sociedade tem a sua própria trajectória de progressão e mudança sensorial.» (Classen; Howes; Synnott,1994:3,4)

A relação do artesão – enquanto criador – com o objecto que cria, passa fundamentalmente pelas suas mãos. A mão, tem aqui um papel preponderante, porque através do gesto ela cria e dá forma e estética ao objecto.

A mão que constrói, a mão que modifica, a mão que amplia e diminui, a mão que é dócil ou brusca. A mão que através de gestos corporiza as nossas sensações e emoções. A mão é pois, mente e alma.

Também a visão tem aqui um papel preponderante, mas não é mais ou menos importante que o tacto.

A propósito do trabalho de oleiro, Baptista Bastos [3] numa incursão que fez a uma olaria em Lisboa na década de 80, ressalta essa relação entre os olhos e as mãos, que o artesão interpreta, quando escreve «nove horas de trabalho quotidiano, uma atenção que se não pode deixar fluir em qualquer precalço, no mais ténue dos incidentes. Olhos e mãos, mãos e olhos.» (1988:112)

Depois, vem a experiência táctil de quem gosta ou aprecia um objecto, ou de quem utiliza o utensílio. Não é por acaso que a sabedoria popular diz que às vezes temos os olhos nas mãos.

Não é que queiramos observar algo com as mãos, o que queremos de facto é sentir esse objecto e por isso o apelo ao toque por vezes é irresistível e incontrolável.

Não são só as crianças que gostam de tocar. Os adultos também gostam de o fazer, porque a emoção do táctil é muito diferente da visual. É sobretudo, bastante mais poderosa.

Foto1 – Artesão numa das fases da construção de um barril [4]

Foto 2 – Artesão executando cestos de vindima [5]
A experiência táctil, é aqui muito forte e de imediato o cérebro transmite informação sensorial acerca desse momento tão particular. Na verdade, só começamos por identificar, sensibilizar, amar ou detestar um objecto, quando nesse processo interagimos sensorialmente com o mesmo.

Sensação é pois emoção.

Os objectos ou artefactos, são estímulos para as nossas emoções. Elas tomam corpo e actuam quando «provocadas» por algo que pode ser interior ou exterior a nós mesmos, isto é, no caso do artesão, esses estímulos têm início durante a processo mental de concepção de um determinado projecto, enquanto que no caso dos compradores ou utilizadores de uma terminada peça, ou utensílio, as emoções e reacções surgem apenas quando o objecto já existe.

«(…) as emoções nunca dependem somente de como é feito o mundo, pela simples razão de que (…), elas fazem esse mesmo mundo.» (Manghi,1999:5) .

No entanto, este processo emocional entre o artesão ou o artista e o público, não é um processo descontinuado, ou seja, não funciona como: agora sente o artesão e posteriormente sente o comprador, o público ou a comunidade.

As emoções estão em todos nós ao mesmo tempo e como afirma Sérgio Manghi, «os sinais emocionais não indicam apenas processos internos de um sujeito (…). Às vezes indicam configurações externas desse sujeito (…). As emoções não estão primeiro em mim e por conseguinte entre nós. Elas estão em mim e em nós.» (ibid)

Os objectos «jogam» também com o tempo e o espaço. No primeiro caso, porque se transmite de geração em geração e portanto a característica emocional trespassa a fronteira temporal.

No segundo caso, o «jogo» localiza-se ao nível da movimentação dos objectos, não só entre os membros da comunidade, como entre elementos exteriores a essa mesma comunidade.

O Turismo é um dos exemplos mais tipificadores desta movimentação. Rosa Ramalho uma das maiores barritas portuguesas confessou certo dia ao jornalista Baptista-Bastos «temos de trabalhar muito para atender às encomendas (…). O turismo fez-nos ganhar um dinheiro muito bom. O turismo é uma das grandes coisas inventadas no nosso Portugal.» (Bastos, 1988:107)

Os artefactos são pois, elementos viajadores e que transportam o artesão, a actividade profissional, a comunidade e o País de origem, para inúmeros e diversos lugares.

 

Sugestão de leitura: Museu de Olaria – Barcelos.

 

Mas os artefactos não definem somente uma região, uma comunidade, um povo ou um País.

Um mesmo artefacto, objecto ou actividade profissional pode ser elemento caracterizador de mais de uma região dentro ou fora das mesmas fronteiras físicas. O que acontece nestas situações é que esses artefactos tomam por vezes formas ou funções diferentes nos diversos lugares onde existem.

Digamos que, através da difusão cultural um mesmo objecto pode possuir inúmeras funções, cores, formas e até atribuições simbólicas. Há por conseguinte um reinventar, à medida que esses artefactos se «propagam» de região para região.

Nesses processos de readaptação, os artefactos adquirem novas características. E as emoções que eles transmitem, não só a quem os executa, mas também a quem os adquire ou simplesmente admira, são igualmente diferentes.

Muitas vezes essas emoções estão relacionadas com a carga simbólica e estatuto social que certo artefacto tem na comunidade que o manuseia.

Podem de facto os objectos ou os ofícios tradicionais traduzirem ou caracterizarem a identidade ou identidades [6] de uma comunidade ou de um povo?

Certamente que sim e pela razão mais simples: porque o objecto é sempre fruto de quem o criou e de quem lhe atribui determinada função social. Pela forma, textura, cor, aspectos decorativos e função, podemos de facto identificar a sociedade de onde o artefacto é originário.

Apesar da tentativa de homogeneização das sociedades, podemos ainda dizer que os artefactos podem ser caracterizadores das nossas identidades, não só pela matéria-prima que os constituem, mas principalmente pela função que estes têm na nossa sociedade.

É claro, que dada a mobilidade dos povos e por conseguinte dos objectos que estes transportam consigo, um mesmo artefacto pode ter funções completamente diferentes em diferentes comunidades ou sociedades, independentemente da forma, textura ou cor serem idênticas em todas elas.

Concluo, afirmando que as emoções conduzem a vida de todos nós e que na criação cultural, são presença constante.

A memória social é o “armário” das nossas aprendizagens e vivências culturais e a Cultura Material nada mais é do que uma infinita quantidade de “prateleiras” desse mesmo “armário”, onde as portas estão sempre entreabertas permitindo a quem chega, recriar, reinventar, acrescentar e também alterar.

A relação humana com os objectos e /ou artefactos é uma realidade incontestável e incontornável. Não podemos viver sem eles. O objecto é elemento identificador e caracterizador de grupos e comunidades e com eles estabelecemos uma relação tão próxima, quanto a que temos com os outros seres humanos com quem convivemos diariamente.

As mãos são a alma e dão corpo ao objecto, mas é na mente do artesão, artista ou criador que este começa a ter forma.

Durante todo o processo criativo e executório dos objectos as emoções são presença constante e essa emocionalidade é igualmente vivida e sentida por quem adquire, recebe, ou simplesmente contempla determinado artefacto, porque de uma forma geral este interfere com as nossas percepções sensoriais, isto é, os nossos mais básicos sentidos.

Por tudo isto, aconselha-se vivamente que cada um de nós olhe, toque, cheire e ouça a produção material que nos rodeia e que constrói o nosso mundo, ou mundos.

Como foi frisado anteriormente, os objectos são a imortalidade das nossas histórias, das nossas vivências sócio-culturais e, para além disso, explicam e justificam a forma de estar em sociedade de cada um dos povos que representam.

por Sandra Nogueira (texto editado)

NOTAS

[1]  A questão da criação, invenção e autenticidade dos objectos é à partida mais complexa e controversa do que se possa imaginar. É difícil provar que elementos culturais são ou não são autênticos – e aqui o autêntico diz respeito à origem desse mesmo objecto -.

Na minha opinião já nada se inventa, mas pelo contrário tudo se reiventa e tudo se misceniza.

Reiventar algo significa dar vida a alguma coisa com existência anterior.

A quase “desesperada” busca das tradições passadas que as nossas sociedades actualmente preconizam, dão origem a recriações culturais que se tentam ser o mais autênticas possível, isto é, o mais próximas possível ao objecto que se julga originário e por conseguinte caracterizador da vivência cultural daquele grupo ou comunidade.

A Globalização é em parte muito responsável pela “corrida” em busca desse EU existente nas nossas sociedades. À standarização dos nossos padrões de vida económica e social, as sociedades respondem com a sua diversificação cultural.

Somos diferentes, porque as nossas histórias e percursos sócio-culturais são diferentes. A diferença e a riqueza cultural da Humanidade assenta precisamente na diversidade e nos inúmeros sincretismos que ela possui.

[2]  A circa artesanal é antes de mais um acto criativo, cognitivo, mental. Depois desse «projecto» artesanal surgir na mente do seu criador, ele é transposto para um qualquer material que lhe dará corpo.

O acto de tocar, sentir a textura, as formas, visualizar a cor e sentir o odor desse mesmo material, é sobretudo uma vivência situada ao nível do foro sensorial.

[3] Baptista-Bastos é um dos escritores de referência no panorama da Literatura contemporânea Portuguesa. O jornalista-escritor tem inúmeras obras publicadas e os excertos mencionados neste artigo, são do livro As Palavras dos Outros, que esteve durante anos esgotado.

[4] Foto da autoria de Sandra Nogueira e retirada da publicação “A tanoaria no Concelho do Cartaxo-estudo etno-tecnológico da actividade” in Programa Nacional de Bolsas de Investigação para Jovens Historiadores e Antropólogos.

[5] Foto da responsabilidade de Jorge Blanco, retirada a partir dos desenhos do antropólogo Fernando Galhano. Exposição da autoria de Sandra Nogueira intitulada, “O Cesto de Vindima – a mestria da tradição”, integrada no ciclo Tecnologias Tradicionais Portuguesas do Pelouro da Cultura da Câmara Municipal de Azambuja, Portugal, Fev. 2001

[6] Faço aqui uma chamada de atenção para o termo identidade, na medida em que eu defendo que devemos ter algum cuidado no uso desta terminologia. Tal como a cultura já não se cria, mas sim recria, uma vez que os fenómenos culturais são maioritariamente fruto de difusão e transformação cultural, com a identidade acontece o mesmo.

Os contactos, a miscenização, a mestiçagem e/ou os sincretismos, deram origem a identidades em detrimento de identidade. Todos nós somos fruto de muitos valores, crenças e tradições que num determinado tempo se juntam e que posteriormente se vão transformando, devido à interacção planetária do nosso Mundo.

Bibliografia

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