A peça do mês | Como era antigamente
A peça do mês | Como era antigamente
«Aquilo a que se convencionou chamar Cultura Popular viu alguns dos seus conteúdos vertidos em colecções etnográficas e em museus etnográficos. Este movimento de cristalização da Cultura Popular conheceu alguns momentos especialmente significativos ao longo deste século [séc.XX], em particular em Portugal.
Um desses momentos prende-se com a actividade desenvolvida por um grupo de investigadores intimamente associados à realização do que actualmente se chama Museu Nacional de Etnologia. No entanto, antes dessa fase é possível descortinar outras etapas importantes no processo de valorização da Cultura Popular.
Tal é o caso dos processos da utilização nacionalista dos símbolos e dos objectos de cultura popular realizados pelo Estado Novo, em especial ao longo dos finais da década de 30 e no decénio seguinte.
O Museu de Arte Popular nasce nesta sequência e permanece até hoje inalterado em muitas das suas características.
Mais recentemente é possível observar um movimento endógeno de preservação da herança da cultura popular, especialmente no que respeita à cultura material dos meios rurais que vão deixando de o ser.»1
É neste espírito de “preservação da herança da cultura popular, especialmente no que respeita à cultura material dos meios rurais que vão deixando de o ser“, a que se associa a necessária e desejável divulgação, que o Portal do Folclore Português vai divulgar, com a devida autorização e em constante atualização, a página sobre a “Peça do Mês” do Museu de Silgueiros – Centro de Documentação Etnográfica.
A tesoura de hóstias
A palavra hóstia designa o pão consagrado pelo sacerdote e distribuído aos fiéis no momento próprio da Missa.
Ter hóstias em quantidade suficiente para as necessidades do culto religioso – pão cozido sem fermento nem sal – era, habitualmente, obrigação dos párocos que, por processos artesanais promoviam a confeção de finas folhas de pão ázimo para depois cortarem em pequenas hóstias de cerca de 3 centímetros de diâmetro. Ler+
O prato ratinho
Ficaram conhecidos por ratinhos os beirões que, no passado, iam trabalhar para o sul, designadamente, para o Alentejo, em busca do trabalho que faltava na sua região de origem.
Reunidos em grupos segundo as necessidades, lá partiam de comboio rumo ao desconhecido para um tempo não completamente definido – uma invernada, diziam – que começava pelo tempo da apanha da azeitona e se prolongava pelos trabalhos do lagar e, eventualmente, das sementeiras e das ceifas. Ler+
O tacho da marmelada
No passado, a vida do povo português era muito difícil. Mesmo os mais abastados tinham de fazer pela vida, que as receitas provinham exclusivamente da lavoura e esta era parca na criação de verbas com que se pudesse ir às compras.
Assim, tudo se procurava fazer em casa, aproveitando quanto a terra, a capoeira e a pocilga podiam dar. Ler+
O “anel” de curso
O exame da quarta classe foi regulado pelo decreto n.º 13 791, de 17/06/1927.
Ao tempo, as escolas eram poucas, mal apetrechadas e, na maioria das vezes, instaladas em edifícios sem condições para o desempenho da sua nobre função.
O ensino, na prática, não era obrigatório, antes, para alguns, impróprio para as meninas que, aprendendo a ler e a escrever, podiam aproveitar o facto para escrever aos namorados.
Não admira, por isso, que Portugal fosse um país com elevadíssima percentagem de analfabetos, principalmente, no sexo feminino.
Quem tinha o privilégio de poder frequentar escola do ensino primário elementar e de obter aprovação no exame final da quarta classe feito com a maior solenidade e rigor perante júri desconhecido de três professores, na escola da sede do seu concelho – um dia para provas escritas e outro para provas orais – e de obter qualificação adequada – aprovado ou aprovado com distinção – tinha direito a festa de família e de comunidade, a que não faltava o estralejar de foguetes, alguns lançados, obrigatoriamente, à porta do respetivo professor.
O Exame da 4ª classe dava direito a diploma em papel, selado com estampilha fiscal de 5 escudos, para dependurar, depois de encaixilhado, no compartimento mais importante da casa; mas, para quem dispunha ainda de alguns tostões havia no mercado à sua disposição um pequeno emblema metálico, esmaltado, de alfinete, para colocar ao peito em dias de festa.
Era como nos cursos da universidade, para doutores e engenheiros, uma espécie de “anel” representativo do invejado curso da 4.ª classe.
Guardamos esta peça com interesse e carinho especiais.
A malga dos velhos (e das crianças)
Na natureza nada se cria, nada se perde; tudo se transforma, dizia o cientista.(*)
Na vida do povo português, nada se perde; tudo se aproveita, dizemos nós.
Era assim nas peças do vestuário que passavam de pais para filhos, era assim nos trastes velhos que se guardavam porque poderiam vir a ser precisos, era assim na louça partida que, com a ajuda de alguns gatos metálicos “deitados” por mão habilidosa, virava “louça nova” capaz de durar anos e anos.
Todavia, com as crianças e os velhos impunham-se procedimentos especiais, pois, a mãos trémulas e desajeitadas era mister contrapor alguns procedimentos cautelares.
A malga era peça fundamental na vida diária, para o caldo e para o resto. Porém, as quedas frequentes depressa as transformavam em cacos inutilizáveis para mais consertos.
Foi assim que se lançou mão da folha-de-flandres para a produção de uma malga de lata, resistente ao choque e aos tratos das crianças e dos velhos. As duas asas propiciavam facilidades de manejo e de segurança na tarefa de sorver o caldinho cozinhado na famosa panela de ferro de três pernas que, sempre de tampa amovível e boca aberta, ali ficava o dia inteiro, junto à lareira, disponível para quem precisava.
(*) Nota da Equipa: “Na Natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma“, frase célebre de Antoine-Laurent de Lavoisier, nascido em Paris, em 1743, pertencia à pequena nobreza. Foi o primeiro cientista a enunciar o princípio da conservação da matéria. Refutou a teoria flogística e participou na reforma da nomenclatura química.
O frasquinho do perfume
Chama-se perfume à substância que se usa para criar um cheiro agradável. De acordo com a concentração dessa essência, assim temos perfume, água de perfume, ou água de colónia.
A “arte” do perfume parece ter as suas origens no Egito, cerca de 2000 a.C., utilizado pelos faraós e os mais importantes da corte.
No século IX, um químico árabe de nome Alkindus escreveu um livro de receitas sobre a fabricação de perfumes, cuja importância se prolongou no tempo, contribuindo para o enriquecimento e variedade dos perfumes.
Mas o método para extrair óleos aromáticos das flores por meio da destilação, iniciado no período da Renascença, foi sistema revolucionário, utilizado até hoje.
Quando se generalizou o conceito médico de que o banho contribuía para abrir os poros dando entrada às doenças, o perfume, nas classes económica e socialmente mais evoluídas, era utilizado para combater o intenso odor corporal resultante de apenas um banho anual, de preferência nas datas e circunstâncias de banho santo.
A oferta de um frasquinho de perfume era sempre um gesto de requinte muito apreciado.
Os fabricantes, ao mesmo tempo que aumentavam o número de fragâncias, procuravam variar o desenho e apresentação dos frasquinhos, para cativar cada vez mais clientes.
O frasquinho que hoje trazemos a público insere-se neste princípio. A sua ligação a uma armação metálica torna-o mais elegante, mais bonito e mais apetecível.
Petromax
A história da iluminação começa com a descoberta do fogo. Ao mesmo tempo que o homem passou a aquecer-se, a cozinhar alimentos, a trabalhar os metais, aprendeu também a iluminar a escuridão. Foi uma das mais importantes descobertas do homem.
A iluminação foi sempre um artigo de luxo e tem uma história longa de muitos séculos. Iniciada com as fogueiras, passou às tochas criadas a partir dos recursos então disponíveis, constituindo uma luminária perfeita naquela época.
A gordura dos animais conduziu às velas, assim como a cera das abelhas. O azeite e as candeias trouxeram alternativas e melhorias.
Mas o grande salto, antes da descoberta da lâmpada elétrica de Thomas Edison em 1879, foi dado com o aparecimento do petróleo.
O querosene, um dos seus derivados, a que o povo chamava crosende, o petróleo de iluminação, trouxe consigo as candeias, os candeeiros, os lampiões e, finalmente, o petromax, um aparelho engenhoso que utilizava uma “camisa” especial e uma bomba de pressão que propiciavam uma luz mais intensa e mais branca.
O exemplar que hoje trazemos a público é o maior que possuímos e vem de uma família de mais teres, pois, a uma peça como esta não tinha acesso a generalidade do povo português, tanto pelo preço inicial como pelas despesas de utilização.
1 Sérgio Lira, in «Colecções Etnográficas e Museus Etnográficos: objectos e memórias da Cultura Popular» – comunicação apresentada ao Congresso de Cultura Popular na secção Etnografia e Património Etnográfico, Maia, Dezembro de 1999 – Resumo