Cortar o cobrão | Usos e costumes de Escalos de Baixo
Cobrão
O cobrão é o nome que o povo dá a uma doença de pele caracterizada pelo aparecimento de pequenas vesículas que surgem, segundo a crença, devido à circunstância das roupas interiores, quando se encontram a secar, terem estado em contacto com qualquer bicho peçonhento: cobra, osga, lagarto ou lagartixa, bichos esses que nelas deixaram, como se diz em Cebolais de Cima, o seu rastejo.
É o veneno contido nesse rasto que, em contacto com a pele, desencadeia a doença.
Para curar o doente repetia-se esta fórmula:
Rezado em cruz sete vezes:
Aqui te benzi, aqui te torne a benzer
Para que não cresças, nem inverdeças,
Nem juntes o rabo com a cabeça.
Depois a curandeira pega numa réstia de alhos e desenrola-se entre ela e o doente o diálogo seguinte:
Curandeiro: – Tu tens um cobrão?
Doente: – Ou terei ou não.
Curandeiro: – Corta-lhe a cabeça
Doente: – Corta tu ou não
Curandeiro: – Tu tens um cobrão?
Doente: – Ou terei ou não.
Curandeiro: – Corta-lhe o meio
Doente: – Corta tu ou não
Curandeiro: – Tu tens um cobrão?
Doente: – Ou terei ou não.
Curandeiro: – Corta-lhe o rabo
Doente: – Corta tu ou não
Por fim, queima-se a réstia de alhos e bota-se primeiro mel sobre a parte infectada e, em seguida, a cinza das réstias, para secar o mal.
Esta fórmula oferece a originalidade de apresentar estrutura em diálogo entre a rezadeira e a pessoa doente.
Nesse diálogo, dois pormenores existem que se devem ser revelados: a primeira frase “tu tens um cobrão?” e a repetição quase contínua e exaustiva de “corta-lhe”.
A primeira frase patenteia o costume de se invocar o nome da doença no início da fórmula libertadora; e incidência repetitiva que surge no diálogo em relação a “corta-lhe” reside no facto de ser esta palavra forte, isto é, a palavra através da qual a rezadeira liberta a pessoa do mal que a aflige, a palavra que corta um laço que liga a pessoa à doença.
O número de vezes necessário para eficácia das palavras é de sete.
O gesto enfeitiçante é o sinal da cruz: ao fazer-se a cruz sobre qualquer coisa atraem-se as forças mágicas dos quatro pontos cósmicos, ideia reforçada pelo facto de o sentido esquerda – direita, ao qual o sinal da cruz obedece, representar simbolicamente o passar da morte à vida.
A utilização do mel e das cinzas das réstias de alho, em conjunto com a fórmula libertadora, mostra nesta versão de Escalos de Baixo, uma dupla intenção: a de desligar a pessoa do mal, por um lado, e a de curar, por outro com o auxílio do mel e das cinzas das palhas de alho.
Fonte do texto: “Dança, Canto e Trajos no Concelho de Castelo Branco”, Adelino José Henrique Carrilho e Mónica Liliana Martins Henrique Carrilho