O ciclo do linho | Saberes tradicionais
I.- A planta do linho e as suas exigências ou “mistérios”
O linho é uma planta herbácea que chega a atingir um metro de altura e pertence à família das lináceas.
Abrange um certo número de subespécies, integradas por botânicos com o nome de Linum usitatissimum L..
Compõe-se basicamente de uma substância fibrosa, da qual se extraem as fibras longas para a fabricação de tecidos e de uma substância lenhosa.
Produz sementes oleaginosas e a sua farinha é utilizada para cataplasmas de papas, usada para fins medicinais.
De uma maneira geral pode dizer-se que a planta se dá bem em quase todos os climas.
No entanto, prefere os terrenos silico-argilosos, de solo profundo, de consistências médias, frescas e permeáveis à água.
Como a duração do seu ciclo vegetativo é muito curta, a planta deve absorver rapidamente os elementos minerais: os solos frescos e ricos são-lhe altamente convenientes, e nos terrenos pobres os processos de adubação devem ser cuidadosamente aplicados.
Ou seja, os terrenos devem ser, preferencialmente, de regadio e na fertilização da terra não são usados produtos químicos, todos os fertilizantes são naturais e os principais são a cinza e o estrume de animais.
A colheita é manual, arrancada pela raiz, a fim de se aproveitar todo o comprimento dos caules, formando-se em mancheias (pequenos molhos) com a parte da semente toda para o mesmo lado.
Inicia-se quando o talo está amarelo-maduro, isto é, quando o terço inferior do talo ficou amarelo e ele está perfeitamente redondo por fora.
Na maturação total as sementes alcançam plena maturidade.
Antigas profissões relacionadas com o linho | Ciclo do linho
Os tipos de linho em Portugal
Em Portugal destaca-se a produção das seguintes qualidades de linho:
– O linho galego
Para este tipo de linho reservam-se os melhores terrenos, e preferentemente aqueles que podiam ser regados com facilidade.
Semeia-se em Abril ou primeiros dias de Maio e colhe-se em Junho.
A produção deste tipo de linho era mais comum nos distritos de Viana, Braga, Porto, Aveiro, Vila Real e Guarda.
– O linho mourisco
Este tipo de linho é pouco exigente e sensível relativamente à qualidade dos terrenos.
Adapta-se a terrenos muito pobres.
A produção deste tipo de linho era frequente nos distritos a sul do Tejo, e ainda nos de Bragança, Santarém e Castelo Branco.
Semeia-se em Outubro/Novembro e colhe-se em Maio.
Mais trabalhoso do que as restantes culturas, a preparação da terra para a sementeira – “vessada“, e as regas exigem cuidados específicos.
Para tal, deve ter-se em conta toda a sabedoria transmitida, pois há que contar também com as mudanças do tempo.
Semeá-lo uma semana antes ou uma semana mais tarde, não é indiferente, bem como é de tradição dar-lhe nove águas, ou sete regas, consoante chove mais, ou menos.
Não é indiferente, também, escolher-se o dia para o arranque uma vez que este é ditado pelo estado de amadurecimento da cápsula – “baganha“.
Regras a serem cumpridas se os donos do linho ambicionarem tê-lo com fibra de boa qualidade.
II.- Um pouco de História
Não se sabe ao certo quando e onde pela primeira vez o Homem começou a utilizar as fibras do linho para confecionar tecido.
No entanto, no Egipto surgem vestígios de tecido de linho que datam de cerca de 5.000 a.C., provando que o linho já era cultivado por essa altura.
Na Península Ibérica e concretamente no território que viria a ser Portugal, foram encontrados vestígios não só de tecido de linho, como também de sementes da planta de linho, que datam de 2.000 e 2.500 a.C., respectivamente.
O linho em Portugal após os romanos
Mas é com a dominação de Roma e a instauração da pax romana na Península que o cultivo e o emprego têxtil do linho se desenvolveram verdadeiramente, assim como as indústrias caseiras da fiação e da tecelagem.
Ao longo da Idade Média a produção de linho e a importância económica deste tipo de produção aumentam, a ponto de o pagamento de rendas ser muitas vezes efetuado com o linho produzido.
Em Portugal, encontravam-se atividades linheiras por todo o país, e sempre com a mesma natureza caseira e artesanal, individual e dispersa.
Apesar disso, já no séc. XVI existiam regiões do país onde estas atividades se adensavam.
Tal é o caso de Guimarães, que se destacava pela finura dos tecidos que fabricava, e a cujas feiras acorriam mercadores que se encarregavam de abastecer o comércio da capital, Alentejo e Algarve.
Com o aparecimento da fiação mecânica do linho e a introdução dos primeiros teares mecânicos, nos inícios e meados do séc. XIX, chegou a pensar-se que a implantação de uma nova economia de produção e o rápido desenvolvimento industrial, que caracterizaram o séc. XIX, iriam incrementar e obrigar a rever os processos de produção de matérias-primas.
De facto, tal não aconteceu e a industrialização da tecelagem do linho fez-se então exclusivamente com ramas importadas do estrangeiro. À introdução dos teares mecânicos correspondeu um aumento na importação de linho em fio.
A decadência da produção de linho
Esta decadência na produção de linho agrava-se com a generalização do algodão como a mais importante e quase única fibra têxtil para tecidos correntes e baratos, e a consequente instauração, entre nós, da indústria algodoeira.
O linho de produção e utilização caseiras, fechado no seu ciclo restrito tradicional, não pode fazer frente à concorrência do algodão e vai-se extinguindo.
A cultura do linho, para além de constituir um valioso recurso, cuja utilização ia do vestuário à medicina e culinária, ocupava um lugar de destaque na vida social e cultural de cada comunidade, rodeada como estava a sua produção em ritos e lendas, que ainda hoje fazem parte da memória colectiva das suas gentes.
Harmonizando o saber antigo, conservando nos gestos repetidos ao longo de gerações, com os novos caminhos da atualidade, a produção de trabalhos em linho representa um importante e valioso património cultural que luta pela sobrevivência com o aparecimento de tecidos modernos e de mais práticas e lucrativas formas de confeção. 1
III.- As fases do ciclo do linho ou “as voltas que o linho dá” (*)
O linho é:
1.- Semeado por homens. Quase todas as outras operações são de mulheres. O campo de linho chama-se linhal (algures: linhar).
2.- Mondado.
3.- Arrincado (arrincar = colher o linho).
4.- Tira-se-lhe a linhaça.
5.- Alagado na ribeira, durante oito dias; por ser leve, o linho é enterrado na areia da ribeira para a água o não levar, ou então colocam-se-lhe pedras em cima.
6.- Tirado para se enxaguar.
7.- Enxugado durante dois dias, estendido no campo.
8.- Maçado por homens com uma maça ou pau; batem-no numa pedra e fazem-se uns molhinhos: amaçadoiras (amaçador é o homem que faz esse trabalho).
9.- Gramado, isto é, muito pisado até ficar em fios. A operação faz-se num grama. A mulher que grama é gramadeira (não se conhece em Tolosa o termo tascar, nem tascadeira)
10.- Asseado num sedeiro de ferro: sai a estopa e fica o linho.
11.- Fiado com roca e fuso; a mulher que fia é a fiadeira.
12.- Ensarilhadas as maçarocas num sarilho; com quatro maçarocas faz-se uma meada no sarilho.
Das meadas até tecer
13.- Metidas as meadas no ribeiro e batidas muito bem numa pedra.
14.- Cozidas – as meadas – numa caldeira a ferver com cinza, para curtir o fiado. Dois dias ficam a curtir num cesto também com cinza.
15.- Lavadas na ribeira em água corredia (pôr à cora).
16.- Coradas no campo – seis a oito dias. Deita-se-lhes água com um regador, porque, se secar ao sol, fica com manchas amarelas.
17.- Torna-se a metê-las numa barrela, isto é, com água a ferver e cinza.
18.- É o linho novamente lavado em água corredia.
19.- Enxugam-se as meadas, estendendo-as em lajes.
20.- As meadas são encadeadas.
21.- Cada meada, ou elo da cadeia, vira-se tirando, com a ajuda de uma dobadoira, fazendo-se novelos.
22.- Enfiam-se muitos novelos num barbante, como contas de um rosário.
23.- Vão para a tecedeira para tecer.
(*) Informações retiradas de “ETNOGRAFIA PORTUGUESA” – Livro III – José Leite de Vasconcelos – Informação de uma gramadeira de Tolosa, 1933.
1Texto elaboração com base em diversa documentação, para além de textos, fotos e imagens retiradas de vários sítios na net | Imagem de destaque