Castanholas enfeitadas | Instrumentos musicais
Castanholas enfeitadas
Nas mais insignificantes coisas criadas ou adotadas pelo povo aparece sempre, como um selo infalível de primitividade, a sua arte própria, singela e tradicional.
Se até nas castanholas, os estrídulos grilos da música popular, essa arte se manifesta exuberantemente, enchendo de entalhes e recortes as pequeninas conchas sonoras de buxo ou laranjeira…
Origens
Tenho como certo, que as primeiras castanholas foram fabricadas das mesmas valvas, duras e brancas, de moluscos, que, nas estações neolíticas vizinhas do oceano, aparecem com abundância, e que se distinguem das conchas cujo conteúdo foi aproveitado na alimentação, por estarem todas furadas na parte mais estreita.
Aplicou-as o homem primitivo para formar enfiadas, que, como os selvagens atuais, prendeu nos braços e nas pernas, no pescoço e na cintura.
Daí a aproveitá-las, duas a duas ou em conjunto, para ritmar com o seu ruído as evoluções das cerimónias religiosas ou guerreiras, ia um passo apenas.
E tanto isto é plausível, que, ainda hoje, o nosso povo da beira-mar adota de preferência castanholas de valvas de moluscos, mais fáceis de arranjar e de som mais agudo que as de madeira.
Designações e ornamentação
Por todo o Portugal se encontra espalhado o uso das castanholas, cujo nome se deturpa ou se modifica – castanhetas, carchanholas – segundo as localidades; em todas as nossas províncias se encontram também exemplares enfeitados, seja nas conchas, seja na parte superior, onde se faz as ligações das valvas.
A ornamentação é geométrica, fitomórfica, ou inspirada em sentimentos amorosos: linhas quebradas, reticulado, rosetas, flores e os infalíveis corações floridos.
Algumas mostram o nome do possuidor, em iniciais, ou por extenso, e a data da feitura.
Formas e feitios
Há-as circulares, em forma de ovo, em jeito de selo gótico, etc.
De qualquer madeira se fabricam; as mais finas, porém, são de buxo, laranjeira ou limoeiro.
No Norte e Beiras usam-se também, além das castanholas vulgares, umas castanholas especiais, alongadas como réguas, para bater às mãos ambas, em jeito de matraca.
Marcam a cadência nas danças de roda.
Como são grandes (mais de 0,2 de comp.) proporcionam campo mais largo aos devaneios artísticos do possuidor e, por conseguinte, aparecem mais sulcadas de desenhos.
Algumas tomam a forma de cara – espécie de Jano bifronte, quando fechadas – rudemente esculpidas, e encarnadas por vezes com cores violentas.
V.C.
Fonte: “Terra Portuguesa – Revista Ilustrada de Arqueologia Artística e Etnografia” – nº2 – Março de 1916 (texto editado e adaptado)