Cantigas de romaria e de trabalho em Trás-os-Montes

Cantigas de romaria e de trabalho em Trás-os-Montes

Cantigas de Romaria

«As festas e romarias, tão caras à alma do nosso povo, crente e folgazão, têm uma função simultaneamente religiosa e social.

A elas afluem, de todas as partes por onde andam dispersos, os filhos da terra, para alimentar a fé que os liga à sua igreja e fortalecer as raízes que os ligam ao seu torrão natal.

Nelas se robustecem velhas amizades e se criam outras novas, embora, às vezes, se gerem também discórdias, porque o calor aperta e o vinho sobe à cabeça dos romeiros, o que felizmente se vai tornando cada vez mais raro.

Depois de satisfeitas as devoções e cumpridos os votos, vá de dar largas à emoção e à alegria, num convívio salutar e fraterno, com os parentes e amigos, cantando e dançando, no largo da igreja ou no recinto da ermida.

Para isso, o próprio povo criou, na linha das cantigas de romaria, uma poética especial, que contempla, ao mesmo tempo, a religião e o amor. (…)»

Cantigas de Trabalho

«Após as romarias, em que o povo se diverte e descontrai, volta o trabalho, que é duro e penoso.

Para amenizar essa dureza, não há nada como cantar: Quem canta seu mal espanta.

Por isso, não faltam no reportório do povo canções para esse fim, e em maior abundância do que para os dias festivos, já que são mais os dias de labor do que os de lazer.

Outrora, sobretudo no meio rural, o trabalho era todo feito a cantar. O eco dos sachadores e dos ceifeiros elevava-se nos ares, enchia os vales e as encostas, fazendo do campo um vasto auditório musical.

Infelizmente, essa alegria tende a desaparecer, se é que não desapareceu já. À medida que a máquina substitui o esforço humano, deixa de se sentir a necessidade de se cantar.

Por isso, hoje, o povo já não canta no trabalho. Ou, se o faz, não canta as suas próprias canções.

Entoa músicas estranhas, sem alma nem beleza, que nada têm a ver com a sua identidade cultural e que lhe são impingidas pela propaganda radiofónica, em nome duma arte e de progressos muito duvidosos.

É a perda de uma faceta importante do nosso povo. É o requiem por uma cultura que se extingue.

E é pena. (…)»

Joaquim Alves Ferreira in Literatura Popular de Trás-os-Montes e Alto Douro – II volume – Cancioneiro | Imagem de destaque, meramente ilustrativa: “Ilustração Portuguesa”, nº 825 – 1922