«Cancioneiro da Serra d’Arga» – Quadras de Amor
Quadras de Amor
A poesia é tão antiga como o homem. Em cada ser humano existe um poeta e não há nada na vida do homem que não escape aos sentimentos mais profundos da alma. O amor é, agora, o tema.
Pela transcendência do assunto, «pelo fácil e pelo difícil» que o envolve, se compreende a seguinte quadra:
Quem me dera dar-te um beijo,
Um beijo não custa a dar;
São duas bocas unidas,
Quatro lábios a beijar.
Noutros tempos, o beijo era tão sagrado que logo havia desordem ou compromisso de casamento, quando observado pelos pais.
Hoje, está tão banalizado que deixou de ser expressão do que era, perdendo o significado sagrado que tinha em épocas mais distantes.
A simplicidade e a imagem a que o povo recorria para transmitir os seus sentimentos ou exaltar alegrias ou paixões, são de uma beleza encantadora
Quando os passarinhos choram
Numa árvore tão pequena,
Que fará meu coração
Cheio de tanta pena?
Nas quadras que se vão seguir pode verificar-se o que diz a filosofia popular a propósito do amor, da traição, do belo e do feio. Aqui está um retrato excelente do amor na sabedoria popular: umas vezes, demasiado pessimista; outras, cheio de lições de moral.
Quadras de Amor
A água daquela serra
Por copos de vidro desce;
Nem a água mata a sede
Nem o meu amor me esquece.
Abaixo da Serra d’Arga
Onde fica minha aldeia,
Na linda terra de Dem
Onde o meu amor passeia.
A água do ribeirinho
Sobe ao Céu deita pavor;
Só há lágrimas na terra
Por donde anda meu amor.
Abre-te, janela d’oiro,
Tira-te tranca de vidro,
Resolve o teu coração
Que o meu está resolvido.
A água do Rio Lima
Foge que desaparece;
Nem a água apaga a sede
Nem o meu amor me esquece.
Abre-te, janela d’oiro,
Vira-te, tranca de vidro;
Vem cá fora, meu amor,
Que quero falar contigo.
Abaixa-te Alto do Tapado,
Que eu quero ver Castanheira,
Quero ver o meu amor
Lá nos campos da Lapeira.
Abre-te, peito, e fala,
Ó coração vem cá fora,
Anda ver o teu amor
Que chegou aqui agora.
Abaixa-te ó Serra d’Arga
Abaixa-te um nadinha;
Quero ver o meu amor
No terreiro de Caminha.
A carta que te escrevi
Já ta deitei na varanda;
Só te peço, meu amor,
Que faças o que ela manda.
Recolha levada a efeito na Serra d’Arga, nas freguesias de Arga de Cima, Arga de Baixo, Arga de São João e Dem por Artur Coutinho, transcritas na obra «Cancioneiro da Serra d’Arga».