Almocreve – Profissões antigas que já não existem
Almocreve 1
De ano para ano o almocreve viu diminuído o seu campo de ação. Primeiramente, o comboio, depois, o automóvel, tiraram à profissão de almocreve grande parte da sua utilidade. Muito mais rapidamente e em muito maior quantidade são transportadas as mercadorias.
Mais um tempo que passe, e desaparecerá da terra a simpática profissão – noutras eras tão importante que já o foral de Lisboa se lhe refere.
Mas não se julgue que nada haverá a recordá-la no futuro. Não acontecerá isso, pois, pelo menos, dois dos mais belos talentos nascidos em Portugal dedicaram as suas atenções ao almocreve: Gil Vicente, no Auto dos Almocreves, e Aquilino Ribeiro, no Malhadinhas, conto este que é a verdadeira epopeia da profissão.
Ainda José Daniel Rodrigues da Costa, que gozou prestígio no seu tempo, publicou o periódico O Almocreve das Petas, no fim do séc. XVIII, e a designação caiu no gosto popular, porque hoje ainda se aplica às pessoas fantasiosas.
O almocreve também já mereceu as honras do desenho.
Agora me recordam uma gravura publicada na capa da terceira edição da Estrada de Santiago, de Aquilino Ribeiro, por Alberto de Sousa; um painel de azulejo do séc. XVIII, existente na parede de um dos canteiros no claustro da Faculdade de Letras de Lisboa (a Jesus); azulejos da escadaria do Colégio dos Borras, com a data de 1699-1707, reproduzidos por Alberto de Sousa na sua obra O Trajo Popular em Portugal nos séculos XVI e XVII.
O almocreve é um vendedor ambulante que guia um animal para o transporte das mercadorias. É este o conceito geral.
Aplica-se mais particularmente ao vendedor de azeite, embora também se use como vendedor de fazendas. Anda de terra em terra, com horários e percursos definidos.
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Nos concelhos de Oliveira do Hospital e de Tábua. houve-os para a venda de panos e rendas, e um dos últimos (do final do século, avô da informadora) chegou a conduzir uma carroça puxada por um burro (de Andorinha, freguesia de Travanca de Lagos).
No entanto, o alugador de burros para o transporte de pessoas chamou-se burriqueiro (Sintra e Cacilhas) ou arreeiro.
Almocreve é sinónimo de azemel, por vezes de recoveiro, e, em Castro de Aire, de tendeiro.
A palavra esqueceu, no seu usual significado, com o desapareci- mento da profissão.
No Fratel, onde ainda no terceiro quartel do século passado havia um almocreve do azeite (bisavô do informador), o vocábulo usa-se hoje (por vaga reminiscência ou em tom de ironia)
para os que transportam o azeite dos lagares para as casas dos donos.
O Dr. José Pedro Machado, na Influência Arábica no Vocabulário Português, 1, 258-266, traz extensa nota sobre a etimologia (nova sugestão) e a cronologia da palavra e o seu uso como topónimo.
Na paremiologia (*) encontram-se:
– Almocreve cavalheiro não ganha dinheiro.
– Quando o almocreve acorda tarde, quem paga são as bestas (Setúbal).
– Almocreves somos, na mesma estrada andamos.
1 Apontamentos fornecidos por Paulo Caratão Soromenho.
In “Etnografia Portuguesa” – Dr. José Leite de Vasconcelos
(*) O que é paremiologia?
Do grego paroimía (parémia) + lógos (tratado) + –ia, paremiologia é o estudo sobre parêmias (provérbio, adágio, refrão, dito popular, frase feita, máxima, citação, sentença, aforismo, etc.), podendo também referir-se a uma coletânea de tais parêmias.
Para os paremiólogos (ou paremiologista: profissional que se dedica ao estudo da paremiologia), essas frases populares sintetizam reflexões a respeito do comportamento humano e expressam as visões de mundo daqueles que as utilizam, por isso tornam-se seus objetos de estudos.
A paremiografia é a ciência que se dedica à recolha e registo de parêmias em repertórios, coletâneas, etc., sendo que o paremiógrafo é a pessoa que cria ou recolhe parêmias.