A Região Saloia fica a oeste de Lisboa
A Região Saloia
Existe na Estremadura uma área, mais ou menos vasta, com particularismos que a tornam uma região específica do ponto de vista etnográfico.
Trata-se da chamada região saloia que se estende a norte e ao longo da faixa litoral a oeste de Lisboa, desde Mafra e Loures, passando pelos concelhos de Sintra, Oeiras e chegando até às portas de Benfica onde em tempos idos se efectuava a pesagem dos produtos que entravam na cidade.
Aqui, à medida que a população urbana aumentou, a cidade alargou os seus domínios para os arrabaldes transformando velhas hortas em novas construções de betão e cimento armado.
A designação alfacinha que tradicionalmente se atribuía aos lisboetas ficou como uma ténue lembrança de uma época há muito desaparecida e que evoca a proximidade rural da cidade e dos tempos de lazer dos seus habitantes.
Da velha Porcalhota resta agora um típico chafariz. O crescimento desordenado da Amadora tudo fez desaparecer, até o afamado “Pedro dos Coelhos“. Desde a Funcheira até aos cabeços de Mafra inúmeros foram os moinhos que desapareceram.
O desenvolvimento extinguiu antigas profissões como o almocreve e a lavadeira, o moleiro e o carroceiro. Sobrevivem, no entanto, muitas quintas rurais e alguns pastores continuam a apascentar os seus gados nos terrenos que ainda restam com os prédios à vista a pouca distância.
Feiras e Romarias
As antigas feiras saloias como as que se realizam na Malveira, Mercês ou em S. Pedro de Penaferrim continuam bastante concorridas mantendo muito do seu tipicismo.
Contudo, já não são apenas alfaias, os produtos hortícolas e outros géneros produzidos pelos agricultores da região o que se encontra nessas feiras, mas também as bugigangas da era electrónica e outros artigos de fancaria.
O povo ainda acorre em romaria à Senhora das Mercês e à Senhora da Natividade, preservando costumes que se apresentam estranhos aos novos habitantes que para ali foram viver, levados pelo comboio que liga Lisboa a Sintra.
Na Feira das Mercês, considerada uma das mais características da região saloia, as moças já não se derretem à passagem dos rapazes junto ao muro. A lembrar tal costume ficou o “muro do derrete” consagrado na toponímia local.
E, a perpetuar os antigos costumes saloios, deixou Leal da Câmara magníficas aguarelas que podem ser admiradas na casa-museu que ostenta o seu nome e está instalada nas proximidades do recinto da feira.
São muitos os grupos folclóricos desta região que, de igual modo, preservam a memória das suas gentes, alguns dos quais acessíveis através da Internet, como sucede nomeadamente com as “Lavadeiras da Ribeira da Lage“.
Também o cinema português celebrizou esta região, salientando-se o desempenho de Beatriz Costa no célebre filme “A aldeia da roupa branca” enquanto a banda desenhada consagrou “grilinho” e “zé pacóvio” entre os seus heróis.
A típica aldeia saloia do mestre João Franco
No entanto, um ponto digno de especial referência é a típica “aldeia saloia” do mestre João Franco.
Quem vai de Mafra à Ericeira tem forçosamente a obrigatoriedade de parar na pequena localidade do Sobreiro onde o artista deu vida a um verdadeiro espaço etnográfico que lembra o modo de vida das gentes locais, reconstituindo o açougue e o ferrador, a capela e o moinho, a taberna e a escola da nossa infância.
Das mãos do barrista saem verdadeiras obras de arte popular muito procuradas por quem visita o local, o qual supera o próprio Convento de Mafra em número de visitantes.
Sempre que vem a Portugal, o escritor brasileiro Jorge Amado visita a “aldeia saloia” e abraça o seu amigo que ali não larga a roda do oleiro [ambos agora já falecidos].
Desde os primórdios da nacionalidade, foi preocupação dos nossos primeiros reis que os mouros, judeus e cristãos vivessem em comunidades separadas a fim de prevenir possíveis conflitos, gozando no entanto de protecção.
Foi assim que surgiu o bairro lisboeta da mouraria, tal como existira as judiarias para os lados da actual rua da Madalena e junto à ribeira velha.
Com o tempo, os mouros forros, assim chamados por se tornarem livres, foram-se estabelecendo nos arredores de Lisboa, dedicando-se preferencialmente à agricultura e outros trabalhos relacionados com esta actividade.
Herança árabe
Foram estes mouros que passaram a ser designados por saloios, expressão cuja origem não se conhece com rigor mas que deve em princípio ser originada das palavras árabes salah, çala ou çalaio que significam, respectivamente, a oração que o muçulmano reza diariamente ou ainda o imposto a que eram obrigados os padeiros saloios.
Fisionomicamente, o saloio genuíno conserva ainda muitas das características que o ligam aos povos do norte de África. De resto, a região é rica em topónimos e outros vestígios de origem árabe.
Salientam-se nomes como Penaferrim, Albarraque, Algueirão e Almoçageme, além de restos de antigas habitações, necrotérios e mesquitas transformadas em templos cristãos.
A chamada região saloia constitui, por assim dizer, um dos mais coloridos azulejos que integram o diversificado painel de costumes locais que a Estremadura representa e que inclui nomeadamente as comunidades piscatórias e os salineiros da outra banda do rio Tejo.
É, no entanto, uma área condenada ao desaparecimento à medida que a sua agricultura vai sucumbindo ao avanço da construção urbana e consequente fixação de novas populações constituídas por “saloios” das mais diversas proveniências.
Nem sempre o desenvolvimento representa um efectivo progresso para o bem-estar do ser humano!
Origem da palavra “saloio”? (1)
Quando D. Afonso Henriques conquistou Lisboa aos mouros, para não despovoar a terra, deixou-os ficar de posse dos seus bens e casas, impondo-lhes certos tributos.
Este benefício e tolerância, que a política e a humanidade aconselhavam, estendeu-se aos lugares circunvizinhos da cidade.
Esta foi logo aumentando em população cristã, que em si absorveu a raça mourisca pelo decurso dos tempos, o que não era tão fácil no campo.
Dizem que a estes mouros dos arredores davam, antigamente, o nome de Çaloyos ou Saloios, tirado do título da reza que repetem cinco vezes ao dia, chamada çala.
Ficou subsistindo o nome, ainda depois de povoados esse lugares por cristãos.
E talvez da mesma origem proviesse um antigo tributo que se pagava do pão cozido em Lisboa e seu termo, e que era conhecido pela denominação de çalayo.
Carlos Gomes, Jornalista, Licenciado em História | (1) Fonte: “Ilustração” nº262 – 1936