A Chega de Bois – Usos e costumes do Barroso

A Chega de Bois

A luta é quase sempre ao ar livre, em baldios planos e a distâncias sensivelmente iguais entre as duas aldeias.

À hora marcada o recinto apresenta-se repleto de assistentes. Estes vêm das mais diversas latitudes, a pé ou nos mais variados veículos, desde o burro ao automóvel.

Gente de todas as classes sociais, velhos e novos, homens e mulheres, sãos e atrofiados, tudo ali se vê. Isto porque não há em Barroso quem não goste de assistir ao desporto mais genuinamente barrosão [Trás-os-Montes].

Andam-se dezenas de quilómetros, ao sol ou à chuva, de noite ou de dia, a troco de presenciar uma chega que por vezes não dura mais do que um cumprimento de cabeça de dois heróis em campo.

É comovedor o cenário que se vive numa chega em Barroso. Multidões da ordem das 6, 7, 8 mil pessoas, ajuntam-se não raras vezes numa chega de bois.

A assistência que vibra

As mulheres, pressurosas da vitória, trazem entre os seios, bandeiras de todas as cores que flutuam entre alaridos infernais se o seu boi pode. Outras fazem dos próprios saiotes e aventais que trazem vestidos, as bandeiras da última hora, agitando-as sem receio de mostrarem as pernas, porque vêm prevenidas com longas calças de flanela.

E, enquanto a vitória não se decide, os terços, cheiinhos de medalhas de todos os santos e santas, não saem de entre mãos, fazendo promessas de todos os géneros e feitios para que o seu boizinho possa.

A vozearia é infernal e o povo, instintivamente, faz um círculo que uma patrulha da G. N. R. armada a muito custo, não deixa encurtar e dentro do qual os dois touros, rodeados por dois ou três representantes de cada aldeia, se batem em mútuas cabeçadas e arrastões que podem ser decisivos para o desfecho da vitória, ou da derrota.

Cada animal representa uma aldeia

São dois animais que defendem estoicamente o guião que representam, talvez com mais afinco do que se lhes fosse dado conhecer a razão por que se batem.

E assim se vivem momentos de indescritível entusiasmo. Uns rezam, outros praguejam; há quem chore de desespero, como há quem desespere de júbilo e euforia.

Tudo ali se vive! Tudo ali é humano! Tudo ali acaba e começa, porque tudo ali se transforma!

Quando um dos contendores despede o outro, o povo acorre para o vencedor, de paus de lodo no ar, aos saltos e aos vivas, com panos pelo ar, saiotes a acenar, pessoas a fugir, foguetes a estoirar, num redemoinho em que ninguém se entende, porque só a confusão se traduz em gestos e palavras ininteligíveis.

Entretanto o povo começa a debandar pelos caminhos de regresso.

Fonte: Barroso da Fonte, As Chegas, apud Usos e Costumes do Barroso (Chaves, 1972) – in “Trás-os-Montes e Alto Douro” | Imagem