A cava na região do Douro | Usos, costumes e tradições
A cava na região do Douro
Em Poiares da Régua – em geral, no Douro – fazem-se as cavas da vinha em Abril e Maio. Em Abril, a vinha é melhor de cavar. Diz o cavador:
Abril cavar e rir.
Em Maio, a cava é trabalho duro.
Maio, cava de raio.
Ao proprietário, porém, convém-lhe cavar tarde.
Cava tarde e redra cedo, da vinha velha farás bacelo.
O trabalho da cava faz-se com enxadas de grandes bicos e cabo curto, o que permite cavar fundo, alancar pesados terrões.
Os cavadores atacam o terreno dispostos em fila ou cordão a que chamam o corte. O cavador da ponta direita do corte intitula-se Rei. O da esquerda é a Rainha. Chegante ao Rei, o braçal do Rei. Chegante à Rainha, o braçal da Rainha.
Nas cavas, quem dá o Cristo é o Rei. Dar o Cristo é dizer assim:
Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!
O Rei dá o Cristo no fim dos comeres, para o trabalho recomeçar, e dá o Cristo no fim do dia, de mando do feitor ou do patrão, para o pessoal despegar.
Durante o dia da cava, o trabalho afroixa de vez em quando para o trabalhador beber água-pé.
Berra um assim:
Bêêêêêêêêêêêê …… ba … se!
Ao que os outros respondem:
Bããääääãäããääää … nha! (venha).
Brados que reboam nas quebradas. Então o rapaz do pipo ou o feitor ou o dono da vinha aproxima de cada boca, ao longo do corte, o pipo da água-pé.
No fim do jantar – tigela de caldo e tigela de arroz -, proclama o Rei:
Comam e bebam
E atem os panos.
Corram as mãos pelos canos,
Fumem e bamos.
Fonte: João de Araújo Correia, Três Meses de Inferno (Régua, 1938) | Imagem: Cava – pormenor de uma fotografia de Alvão, 1940