A bilha de barro de Estremoz | Artesanato de Portugal
A bilha de barro de Estremoz
O português sempre teve o seu fraco pela boa água.
Se é a terra do bom vinho, Portugal é também a terra da água fresca que se apregoa pelas ruas, que anda movediça nas cantigas populares como em roda de azenhas e está nessas bilhinhas, cantares e moringues de barro refrescando às noites nas pedras das varandas, pelos verões, entre vasinhos de cravos e manjericos.
E para o fabrico dos reservatórios onde se contém o remédio das nossas sedes desesperadas, não há como Estremoz, terra clássica da bilha de bom barro vermelho, toda de feitios e com pedrinhas engastadas.
É velha a sua fama tanto que já por cortes de França penas ilustres como as de Brantôme, as recordam por terem servido ao delfim filho de Francisco I, a quem as ofertara certa dama portuguesa, D. lnês Pacheco, ante as sedes constantes desse príncipe.
Os reis de Portugal, em vasos desse belo barro, bebiam, e a sua tradição espalhava-se pelos países para onde os ofertavam como presentes preciosos.
O barro de Estremoz chegou a ter foros de pasta milagrosa.
Ulisses Aldovrando disse-o um contraveneno.
Enfim, de todas estas pompas a bilha de Estremoz passou para as mãos menos heráldicas.
Com a sua arcaria de prata está sobre as pedras dos toucadores das lindas mulheres; o moringue vive no aconchego das casas, pousa na varanda nacional com os vasitos das flores e com os pés da menina que namora para a rua também portuguesmente.
Simples bilha, anda no quadril roliço da campónia da região fazendo fresca a água e dando à mulher como uma evocação daquelas donzelas de que a Bíblia anda cheia a caminharem no pó sagrado de Jerusalém em tardes de sol e de milagre.
Indispensável no Verão
Quando verão chega, antes da andaina de fato mais leve, dos chapéus de palha, das cassas, dos crepons, o grito nos lares é este:
– O moringue! O moringue!
Logo a dona de casa e as meninas recomendam que o querem de Estremoz, de bom barro, onde a água chia como se fosse um retinido de ralos na terra sequiosa em noites de luar.
O moringue torna-se, então, um objeto de cuidados.
Todos vigiam para que não lhe falte a água, todos o tratam, todos o desejam inteiro como a um relicário e quando chega o inverno ele vai ainda ser arrumado com cuidado para reaparecer aos primeiros bafos da primavera, a ouvir os segredos dos namorados nas varandas lisboetas, aos pés duma linda rapariga e entre os vasitos de cravos e manjericos, como um fidalgo, feito de melhor barro, entre dois escudeiros garridos.
R.M.
Fonte: “Ilustração Portuguesa” – nº324, 6 de maio de 1912 (texto editado e adaptado) | Para ver mais imagens relacionadas com a bilha de barro de Estremoz, clique aqui.
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“Moringue – nome masculino
vasilha bojuda de barro cozido, própria para conservar a água fresca, geralmente dotada de pega e dois gargalos: um para a entrada e outro para a saída do líquido; bilha para água fresca potável; moringa, moringo.” Fonte