Trajes

A algibeira minhota – trajes tradicionais regionais

A algibeira minhota

Um belo assunto de compêndio de estudo para… ministro da fazenda [atual ministro das finanças].

A algibeira simboliza, até certo ponto, a economia ou a ordem económica. E como a questão financeira é essencial, como se impõe à nossa observação – não é assim supérfluo que indiquemos a algibeira minhota como documento imprescindível no museu duma aula de economia política…

Antes de ser um elemento de composição etnográfica, no sentido decorativo, a algibeira que aí está foi e é (na maioria dos seus modelos) uma bolsa de usos popular.

Nela – cinco réis por cinco réis, economicamente – orçaram-se sempre grandes reservas de capital.

E isso ao mesmo costume com que em tempos idos as caixas de castanho do bragal provinciano tiveram escaninho ou «falso»;

e se fabricaram os mealheiros de barro, em Prado, para os garotos reservarem as esmolas das suas cascatas ao S. João e ao S. Pedro; e, ainda, como os lavradores do norte (desconfiados) metem à saca de linho as moedas de compra a venda da feira.

Algibeira simples – sem lantejoulas e sem bordados – houve-as sempre em todas as províncias deste país, da Espanha e da Itália, entre os povos rurais. Entre velhos (ou, melhor, entre velhas) o uso é grande, com grande princípio e enraizamento tradicionalista.

Velhas há, mesmo, que as usam diariamente, isto é: sempre, mesmo que o seu destino, aos dias santificados, não seja o do mercado, para comprar.

E mais que o povo de qualquer outra província usa-as o povo, a mulher minhota – criatura a quem furtar-lhe e desenraizá-la dum costume é menos fácil que vê-la a tentar uma «Maria da Fonte».

As origens

Todos os filhos do mundo, ainda mesmo os filhos das ervas, têm um tronco natural: como todos os povos têm a sua tradição; e como todas as águas – ainda as mais obscuras e perdidas – tiveram a sua mãe d’água, em sítio de rocha amorável, que já lhes fica distante.

Estas algibeiras também possuem família – ou, melhor, genealogia artística.

È pena, realmente, que poucos reconheçam neste biblot regionalista essa outra algibeira das mulheres romanas já do tempo de Lucílio, e que o implacável satírico com tanta ousadia ridicularizou.

Lá viveram as algibeiras femininas à maneira do tempo. Creio mesmo que já então eram importadas, como objecto de luxo. E com seus foros de comodismo e civilização, dali correram mundo, correndo idades, transitando sempre (mais ou menos algibeiras) através dos séculos nos torcicolos engenhosos da moda.

O seu fim utilitário e quási o seu desenho mantiveram-se mais ou menos puros. Até que – da sua usual exibição exterior, – pelos fins do século XVIII – passaram quase em absoluto do costume fidalgo, e vieram recolher-se, dum modo típico, entre as saias brancas e o saiote dessa curiosa e constante mulher pobre das províncias do sul da Europa.

Como costume regionalista, poucos se conhecem tão delicados – quando a algibeira, a rigor, é facturada como objecto de adorno.

Uma mulher minhota com algibeira
Uma mulher minhota com algibeira.

Características e uso da algibeira

O talhe quási em coração, debruado de fita de lã verde ou amarela, as aplicações de vidrilhos e lantejoulas e o desenho incorrecto, mas característico, das flores e folhagens – tudo isso (que é pouco como perfeição, mas muito como perspicácia) marca no adorno da algibeira minhota uma certa graça rude, bravia e maravilhosa de efeitos cromográficos.

A algibeira do «costume» de Viana do Castelo, que lhe cabe dentro em peso e medida? Quási nada!

Um lenço rendado e de bordados cor-de-rosa; um espelho redondo de estanho, para rever o conserto dos cabelos e das rendas do colarete; um frasquinho de água de cheiro, ordinário e ingénuo, vaidoso e de poucas gotas; ou, ainda, o maço dos ganchos, uma medalha de santuário, um rosário da Senhora do Carmo e um ramilhete de manjerico. Disso tudo alguma coisa apenas.

Que a algibeira – seja dito em abono da verdade – é para somente ser vista tal qual ela é – quer dizer: para ser, sobre uma anca forte, um biblot de gosto!

Outras há, como disse, que são algibeiras de dinheiro.

A. G.

Imagens de algibeiras usadas pelas mulheres do Minho

Fonte: “Ilustração Portuguesa”, nº 221 – 16 de Maio de 1910 (texto editado e adaptado)