Elementos para uma Carta Coreográfica de Portugal

Carta Coreográfica

Danças Populares Portuguesas de hoje – Elementos para uma Carta Coreográfica de Portugal

Não sendo o presente trabalho um compêndio técnico das danças populares portuguesas ― pelo que não é seu objetivo descrevê-las do ponto de vista da sua estrutura coreográfica, do seu desenho bailatório ou apontar as normas para as bailar ― ao falarmos das danças populares portuguesas de hoje pareceu-nos mais lógico referi-las pelos seus nomes e tentar agrupá-las por regiões.

Tal como afirmámos no capítulo anterior, urge não só proceder à classificação e arrumação das danças populares portuguesas por padrões rítmico-musicais e por padrões de estrutura coreográfica como também tentar determinar, tanto quanto possível, o esquema coreográfico das danças populares antigas.

Do mesmo modo, é também urgente proceder ao levantamento de uma

Carta coreográfica portuguesa

Esta terá de ser concebida e elaborada com a carta da música popular portuguesa, também ainda não elaborada até hoje ― e terá, portanto, de ser um trabalho de equipa onde, ao lado do coreólogo, do etnomusicólogo e do folclorista, de mãos dadas os três, também o especialista da geografia humana, o etnólogo e, até, o arqueólogo e o sociólogo terão uma contribuição a dar.

Partindo da documentação e informação que, isoladamente, há anos vimos reunindo. Sem nos podermos estribar em qualquer trabalho introdutório do assunto que nos servisse de base ou nos abrisse pistas definitivas. Recomendo as informações e pistas cedidas por estudos, ensaios e artigos de vários etnólogos e etnomusicólogos portugueses.

Arrostando com o perigo de fatais deficiências, incongruências e lacunas próprias de uma primeira tentativa ― ousamos reunir aqui alguns elementos, arrumando-os por regiões geoetnográficas, numa primeira e modesta tentativa de elaboração de esboço de uma possível carta coreográfica portuguesa.

Não deixando, nós próprios, de pôr algumas reservas a este presente esboço, cremos que ele, ao mesmo tempo que refere, apenas pelos seus nomes e sua localização, as principais danças que o povo português ainda hoje baila, poderá de certo modo ser útil para o entendimento da sua distribuição regional e servir de base, de ponto de partida, de uma carta coreográfica (se não definitiva e exaustiva pelo menos mais completa do que esta) de Portugal.

No Norte de Portugal

Minho – De acordo com o esquema geo-coreográfico sugerido por Pedro Homem de Mello, localizaremos entre o Rio Minho e a margem direita do Rio Ave, a região coreográfica do Minho, dividindo-a em Alto Minho e Baixo Minho.

Minho

Alto Minho       

Alto Minho Litoral – Vira

(de Vila Nova de Cerveira ao concelho de Viana do Castelo)

Alto Minho Interior – Vira e Chula (Minhota)

(de Valença a Ponte de Lima)

Baixo Minho

Baixo Minho Litoral – Malhão

(dos concelhos de Viana do Castelo e de Ponte de Lima a Vila do Conde e Vila Nova de Famalicão)

Baixo Minho Interior – Malhão e Chula

(do Sul do concelho de Arcos de Valdevez a Felgueiras)

Alto Minho

A dança padrão é o «Vira» que apresenta várias modalidades: Gota (Penso), Vira Minhoto, Chula Minhota (Vira do Norte), Fandango Serrado, Serrinha (Vira Serrado ou Espanhol), Vira Velho, Vira de S. Martinho da Gandra, Picadinho (com analogias com o Fandango do Ribatejo), Vira de Santa Marta de Portuzelo, Rosinha de Afife, Rosinha da Serra de Arga e Salto do Soajo.

Todas estas danças se enquadram no padrão geral ― musical e coreográfico ― do «Vira», distinguindo-se, porém, umas das outras por leves e muito subtis diferenças rítmicas e de esquema coreográfico e, até, por uma certa «maneira» de os bailar.

Baixo Minho

A dança padrão é o «Malhão» e seus derivados: Malhão de Roubar, Malhão Cruzado, Malhão do Souto, Picadinho (levemente diferente do Picadinho do Alto Minho), Vareira, Lima, Sapatinho, Malhão de Barcelos (Malhão trespassado) e Valentim. Outras danças: Regadinho (Braga), Vira Velho de Vila Verde, Vareira de Barcelos, Vira Afandangado e Chula.

Outras danças também bailadas no Minho

O minhoto, tanto o do Alto Minho como o do Baixo Minho, dado o alto grau de emigração típico da região, que, por vezes, é temporária e para terras não muito distantes, baila um grande número de danças que não são de origem minhota e às quais imprime um dado sabor quer do «vira» quer do «malhão» e, até, da «chula minhota»:

– o Pretinho,

– o Regadinho,

– o Verde-Gaio,

– o Pai Ladrão,

– a Tirana, o Velho,

– a Saia Travadinha (talvez dança de cidade, de origem burguesa),

– o Baile da Carrasqueira (dança em cadeia),

– o Manuel (dança-aos-pares de Braga e dos arredores do Porto),

– o Se Quisera Amores (dança em cadeia),

– a Ciranda (dança em pares),

– o Escolher Noivo (dança ao meio com características de brincadeira ou jogo coreográfico),

e o Fandango nortenho.

Trás-os-Montes

As mais características e populares danças de Trás-os-Montes são danças de roda que o povo local designa por «modas»:

– a Murinheira, as  Ligas Verdes, o Fulion e o Li-la-ré;

– o Passeado e a Carvalhesa;

– o Habas Berdes (dança muito antiga que termina com uma costelada recíproca entre os bailadores e que também se baila em terras raianas de Espanha);

– o Galandum e o Pingacho que parece serem reminiscentes danças religiosas ou rituais;

– a Dança dos Paulitos, dos Paus ou dos Pauliteiros (da região de Miranda do Douro: Duas Igrejas, Cércio) e que, certamente, é uma reminiscência de qualquer dança religiosa ou guerreira);

– a Dança do Rei da Guiné (que é uma mourisca).

Douro

Viras e Malhões (de várias modalidades), a Chula Rabela (Barqueiros), o Regadinho, a Cana-Verde, o Vira da Régua (que é uma chula), o Serra (nas terras da Maia), a Rolinha (Póvoa de Varzim), a Cana-Verde Ricoqueira (Santo Tirso), a Chula Duriense, a Cana Verde Picada, o Perim (Santo Tirso), o Malhão Traçado (S. Martinho do Campo), o Piroló, a Vareira Chula (Paredes do Douro), a Chula de Pias (Concelho de Cinfães), a Chula Virada e a Tirana do Corvo.

Beira Alta

A maior parte das danças da Beira Alta são «danças de roda», quer aos pares, quer de mão dada: a Carqueijinha, o Cravo Roxo, a Carolina, a Pastorinha, o Ó Redondo, o Ó Redondinha, a Lavadeira, a Laranja da China, o Bate as Palmas, a Dobadoira, o Mulato da China, o Ai quem me Acode, etc.

Na região encontram-se ainda danças com complicada coreografia: a Farrapeira (que é uma chula), a Retaxeira, o Tareio, a Moda do Indo Eu (que é uma brincadeira ou jogo bailado) e a tão teatral O Frade Capucho.

Beira Litoral

Pela sua extensão e diversidade de modos de vida das suas populações (as quais apresentam várias mas diferentes características: serranas, piscatórias, influência burguesa de Coimbra, pastoris, simultaneamente rurais e marítimas) a Beira Litoral é, do ponto de vista coreográfico, uma província muito complexa e variada recebendo as suas danças influências de áreas e regiões etnográficas das províncias e concelhos limítrofes.

Principais danças: a Farrapeirinha, a Farrapeira, o Regadinho, a Ramaldeira, a Ribaldeira, a Tirana, o Estalado, o Lambão, o Real das Canas, o Vira Valseado (Moldes, Arouca), o Vira de Cruz (Moldes-Arouca), a Cana Verde de Oito (Moldes-Arouca), o Malhão, a Tirana, a Ciranda, a Carrasquinha, a Cana Verde, a Moda Nova, o Senhor de Pedra, o Verde-Gaio, o Vira (em várias modalidades: Vira Flor, Vira Travado, Vira de Treme, Vira Roubado, Vira de Roda, Vira Pulado, Vira Serrado, Vira Valseado, Vira Vareiro (com «marcador»).

Beira Baixa

«Modas de romaria» ou «danças de romaria» são as principais danças da Beira Baixa. Com vários nomes mas com o mesmo ritmo musical e pouca diferença coreográfica entre si, as «modas de romaria» diferem umas das outras sobretudo nas suas melodias.

Entre outras danças destacam-se: o Tareio e a Moda do Indo Eu, esta sempre com o seu aspeto de brincadeira ou jogo coreográfico. Em Escalhão baila-se uma Gota, de leve sabor espanholado, que parece ser uma dança raiana popularizada na Beira Baixa.

Nesta província, de belíssimo e muito antigo folclore musical na sua expressão vocal, encontramos ainda algumas danças arcaicas que possivelmente serão reminiscências de danças rituais, religiosas ou guerreiras: a Mourisca, a Dança da Tranca (de Silvares, que é um fandango), a Dança das Trancas (de Verdelhos, possível reminiscência de uma dança de trabalho), a Dança da Genébres (Lousa).

Estremadura

Apesar de na Estremadura se situar Lisboa, a capital, que, de certo modo, influencia toda esta província, ainda a sua música e as suas danças apresentam aspectos muito arcaicos e declaradamente rurais, a par de, em determinadas áreas, serem evidentes as influências quer da Beira Litoral quer do Ribatejo.

Principais danças: a Ramaldeira, a Ramadeira, o Enleio, a Carreirinha, o Chicote, os Reinadios, alguns Viras (da Beira Litoral), algumas Saias (do Alto Alentejo), o Verde-Gaio, a Ciranda, a Xotiça, o Passo-a-Quatro, a Machadinha, o Fandango e o Bailarico que, embora bailado em toda a Estremadura, tem a sua melhor expressão na região saloia.

Ribatejo

Fandangos, Bailes de Roda e Viras (de várias modalidades) são, com danças ao ritmo de valsa, de polca e de mazurca, o aspecto coreográfico mais característico do Ribatejo onde também ainda se baila: a Farrapeira, o Enleio («moda nova» à maneira das saias), a Chotiça com Marcador, a Moda dos Dois Passos, o Verde Gaio, o Corridinho, o Fadinho (um fado corrido), etc..

Danças a que o ribatejano imprime um forte cunho pessoal, evidente no acelerado ritmo, no acelerado rodopiar dos pares e nos característicos passos de «sapateado» e «escovinha».

Com forte influência da Lisboa burguesa e fidalga do século passado, as danças ribatejanas recorrem muito aos ritmos das danças estrangeiras de salão outrora em voga: a Salteada é uma valsa de ritmo acelerado, a Moda de Roda é uma polca e a Moda dos Dois Passos é uma mazurca.

Alto Alentejo

Talvez a mais pobre e menos original região coreográfica do país mas musicalmente uma das mais ricas, o Alto Alentejo tem, no distrito de Portalegre, uma das mais belas e características danças populares portuguesas: as Saias.

A par destas, no Alto Alentejo ainda se baila: o Salto em Bico, os Bailhos Campaniços, os vários Balhos de Roda, o Puladinho, os Balhos de Cadeia, o Fandango e até o Vira. Quase caiu em desuso a Dança do Mastro.

Baixo Alentejo

Balhos de Cadeia e Balhos de Roda são as principais modalidades coreográficas desta província, algo pobre de danças e tão rica de música coral.

Apesar disso ainda nela deparamos com algumas outras danças de sabor e prática locais: o Marcadinho, o Puladinho, o Tope, a Redondinha, o Chegadinho e as Seguidilhas (dança raiana espanhola popularizada em Barrancos).

Há muito que desapareceram algumas «danças religiosas» que outrora se bailaram no Baixo Alentejo onde, contudo, ainda as pessoas mais idosas recordam o Maquinéu, os Pinhões, o Fandango, os Escalhavardos, o Sarilho, o Fogo del Fuzil ― danças outrora bailadas na margem esquerda do Guadiana e hoje caídas em desuso ― e as de meia-idade são capazes ainda de bailar o Seu Pézinho e as belíssimas Danças de Amor (bailes de roda, ao meio e aos pares)

Algarve

Embora o Corridinho, os Bailes Mandados e os Bailes de Roda sejam as mais características e praticadas danças algarvias, existem no Algarve muitas outras danças locais ou popularizadas (mas a que o algarvio imprimiu o forte cunho do seu temperamento) ainda hoje em uso: o Balso Marcado ou Balso Rasteiro (que é uma valsa amazurcada), o Regadinho (em forma de quadrilha), o Balso Pulado (que é uma polca), a Contradança, o Bailarico.

Na categoria de «bailes de roda» há inúmeras danças, tais como a famosa Tia Anica de Loulé, a Amendoeira, a Libra, o Papelinho e tantas mais.

Do «corridinho» (que na sua estrutura é um «fado corrido» que no século passado, no seu aspeto de dança, tomou o ritmo de polca – amazurcada) existem ainda, no interior da província, alguns espécimes bastante antigos.

In “Danças Populares Portuguesas“- Biblioteca Breve (Série Artes Visuais) Tomaz Ribas